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Proposta do PAN para impedir deputados de ter cargos em clubes ou federações gera dúvidas no Parlamento

Projeto de lei do PAN que visa impedir os deputados de ter cargos em clubes ou federações desportivas profissionais foi debatido no Parlamento, na quarta-feira. A proposta devia ter sido votada, mas os restantes partidos levantaram dúvidas. Projeto baixou novamente à comissão para reapreciação.
21 Janeiro 2021, 10h05

O projeto de lei que pretende impedir os deputados de assumir cargos em clubes ou federações desportivas profissionais foi um dos focos da reunião plenária de quarta-feira. Durante o debate a proposta do PAN gerou dúvidas nos restantes partidos e, na hora de votar, a líder da bancada do PAN, Inês Sousa Real, pediu que o diploma baixasse sem votação à comissão para ser reapreciado.

O regresso do projeto de lei do PAN à 14.ª comissão parlamentar permanente foi aceite, unanimemente, por todas os grupos parlamentares. A comissão da Transparência e Estatuto dos Deputados tem agora 60 dias para aprofundar a discussão do diploma.

O Parlamento adiou, assim, uma decisão mais definitiva sobre um tema quente, mediatizado no último ano pelo caso da deputada socialista Cláudia Santos e também pela presença do nome do primeiro-ministro, António Costa, numa lista de apoiantes a Luís Filipe Vieira, no último ato eleitoral do Benfica.

A iniciativa legislativa foi tomada pelo grupo parlamentar do PAN em maio. A proposta baixou, então, à Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados e, no final de junho, foi aprovada pela 14.ª comissão parlamentar permanente. Criticado pelos partidos, o projeto vai voltar à casa de partida.

As dúvidas dos partidos
O porta-voz e deputado do PAN, André Silva, defendeu ontem, no Parlamento, que “falar hoje de futebol não é falar apenas num desporto”, é “falar num mundo que, há demasiado tempo, tem ligações perigosas e pouco transparentes, e que está a tornar-se cada vez mais num mundo tóxico”.

O deputado sublinhou que “incompatibilidade da participação em órgãos associativos ligados aos desportos profissionais” já é uma realidade para magistrados. E, por isso, criticou o facto de “no parlamento este cordão sanitário ao futebol, embora essencial à salvaguarda da integridade do interesse público, tem tardado a surgir”.

A proposta era clara: Alargar o regime das incompatibilidades no exercício do cargo de deputado, de modo a impedir que os deputados possam integrar órgãos sociais de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais, incluindo as respetivas sociedades anónimas desportivas. E o objetivo do PAN é que se legisle para que tal impedimento exista já na próxima legislativa.

Os restantes partidos, contudo, manifestaram dúvidas e críticas ao projeto em causa. Mas manifestaram em melhorar o projeto na especialidade, antes de uma decisão mais definitiva.

Da bancada do PCP, o deputado António Filipe, do PCP disse que os comunistas rejeitavam “utilizar a legislação sobre incompatibilidades e impedimentos para estabelecer cordões sanitários”. O parlamentar entende que isso significaria “uma presunção de corrupção por parte dos dirigentes desportivos”.

Do lado oposto no Parlamento, o deputado do CDS-PP João Almeida afirmou: “Ninguém é corrupto por ser deputado, nem ninguém é corrupto por ser dirigente desportivo, nem ninguém é corrupto por ser as duas coisas ao mesmo tempo. Pode ser incompatível […], mas então é aí que tem de se tratar”.

Na sua intervenção, o centrista ressalvou que está interessente nesta matéria, uma vez que é presidente do Conselho Fiscal da Associação Desportiva Sanjoanense.

O vice-presidente da bancada do PS Pedro Delgado Alves, por sua vez, recusou um debate “sobre suspeição generalizada”. O socialista disse que há vários deputados que estão ligados a funções associativas, segundo o registo de interesses das fichas de cada deputado. Ora, para Pedro Delgado Alves o que o PAN submeteu a discussão e votação em plenário não seria “remédio eficiente”.

Lembrando o direito à liberdade de associação, o deputado socialista disse que, se a proposta do PAN avançasse nos moldes em que foi apresentada, “seria a primeira vez” que se traçaria “uma incompatibilidade não em relação a uma atividade profissional, mas em relação a uma atividade cívica e atividade associativa”. Pedro Delgado Alves disse que essa é uma “linha vermelha que a Assembleia da República não pode nem deve querer atravessar”.

Do lado do PSD, os sociais-democratas não acompanharam a ideia do PAN. Segundo a deputada madeirense Sara Madruga da Costa, o partido recusa a “profissionalização do exercício do cargo de deputado e da sua exclusividade” e, por isso, não vê na proposta do PAN um “caminho progressivo para um regime de exclusividade dos deputados”.

Embora o presidente do PSD, Rui Rio, já tenha defendido a separação entre política e o futebol, Sara Madruga da Costa esclareceu que a bancada social-democrata “não concorda em absoluto com o que o PAN propõe”, porque “a solução jurídica do PAN carece de uma maior reflexão e de melhorias significativas”. Ou seja, o PSD opôs-se mas mostrou disponibilidade em refletir sobre o tema.

Pedro Filipe Soares, do Bloco de Esquerda, defendeu a obrigatoriedade da exclusividade de funções para os deputados, mas ressalvou que este não é o caminho. Reconheceu que “há suspeição” na opinião pública na relação entre política e o futebol, mas considerou que uma “generalização é claramente uma má forma de chegar a qualquer pretensão jurídica”.

Os casos
Não é uma novidade haver deputados a ocupar cargos em órgãos sociais em clubes ou federações. Contudo, o tema tornou-se sensível desde o caso da deputada do PS Cláudia Santos à inscrição do nome do primeiro-ministro, António Costa, numa lista de “notáveis” que apoiavam Luís Filipe Vieira no último ato eleitoral do Benfica.

Em maio de 2020, a deputada socialista Cláudia Santos foi escolhida para a presidência do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF). Embora, um parecer da comissão parlamentar da Transparência ter considerado compatível que Cláudia Santos pudesse conciliar o cargo de deputada com a presidência do Conselho de Disciplina FPF, facto é que o caso deu celeuma e discussão, estando na origem da proposta do PAN.

Além do caso de Cláudia Santos, o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro integra o conselho superior do FC Porto – um órgão onde também se encontram Manuel Pizarro, eurodeputado do PS, e os autarcas da cidade do Porto e de Gaia, Rui Moreira e Eduardo Vítor Rodrigues respetivamente.

Entre os deputados, há ainda o caso do deputado do PS Marcos Perestrello que é secretário da Belenenses-SAD.

O caso mais sonante, ainda assim, foi o de António Costa. Embora não desempenhe qualquer função num órgão social de um clube ou federação desportiva, o nome do primeiro-ministro integrou a lista da comissão de honra da recandidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, no último verão. A lista incluía também o nome do autarca de Lisboa, Fernando Medina.

António Costa ainda garantiu que o seu apoio a Luís Filipe Vieira era um assunto que “nada” tinha “a ver com a vida política”. Mas o episódio gerou polémica e só terminou quando o presidente do Benfica decidiu retirar da lista todos os nomes de autarcas, deputados e membros do Governo.

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