Um acordo histórico ou fracasso podem acontecer na 15.ª conferência da ONU sobre biodiversidade (COP15) que começa na quarta-feira em Montreal, Canadá, para discutir a proteção de 30% do planeta, mas sem líderes políticos, o que faz desconfiar observadores.
Entre as 22 principais metas em discussão está a proteção de 30% do planeta, no mar e em terra, até 2030, uma marca que ambientalistas consideram fundamental, com alguns a considerarem que a conferência (COP15), pode ser para a biodiversidade o marco fundamental que o Acordo de Paris, em 2015, foi para a luta contra o aquecimento global.
Outros ambientalistas temem que o anúncio da secretária-executiva da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), de que nenhum chefe de Estado ou de Governo participará na COP15 possa levar ao completo fracasso do encontro, que termina em 19 de dezembro.
A CDB das Nações Unidas foi assinada por 150 líderes mundiais em 1992 no Rio de Janeiro, na Cimeira da Terra, com o objetivo de proteger a natureza, o seu uso sustentável e a partilha justa de benefícios.
Desde então realizaram-se 14 Conferências das Partes (COP), o órgão da Convenção que toma decisões periodicamente. A COP15 dividiu-se em duas partes, com uma primeira realizada no ano passado em Kunming, na China. Os trabalhos que juntam agora quase 200 países em Montreal ditarão o sucesso ou o fracasso da defesa da biodiversidade, que estudos indicam que está em queda acentuada desde a década de 1970.
A responsável máxima da CDB desde 2020, a tanzaniana Elizabeth Maruma Mrema, disse em conferência de imprensa em novembro que nenhum líder mundial iria participar na COP15, que é por norma realizada a nível de ministros, e afirmou-se esperançada na adoção durante a conferência de um quadro global de proteção da biodiversidade pós-2020, com uma estratégia e um roteiro global de conservação, proteção, restauração e gestão sustentável.
Para justificar o otimismo, a responsável lembrou que na Declaração de Kunming ficou claro o empenho dos países na adoção desse quadro para 2030.
Na sequência das declarações de Elizabeth Maruma Mrema, um grupo de antigos governantes de todo o mundo pediu, num comunicado, a presença de chefes de Estado na COP15 e considerou “muito preocupante” a ausência.
Organizações internacionais têm avisado que cerca de um milhão de espécies animais e vegetais podem estar em risco de extinção com a continuação da destruição dos ecossistemas e sem medidas para travar o declínio da natureza.
Em outubro de 2021, no final da primeira parte da COP15 em Kunming, a China prometeu empenho na proteção da natureza, os países no geral comprometeram-se em reforçar as leis ambientais nacionais, e houve promessas de financiamento da biodiversidade mundial e reconhecimento da relação entre perda de biodiversidade, degradação do solo, desertificação, poluição oceânica e aquecimento global.
“São precisas ações imediatas para proteger melhor a natureza e nisso coincidimos aqui”, disse Elizabeth Maruma Mrena na altura.
Mas se agora se procura definir um quadro global de proteção da natureza até 2030, e também metas para 2050, a verdade é que já em 2010, em Aichi, no Japão, foram aprovados pelo mundo inteiro 20 objetivos para salvaguardar a biodiversidade e reduzir as pressões humanas. Até 2020 nenhum desses objetivos foi cumprido.
Elizabeth Maruma Mrema disse a 10 de novembro ter esperança num acordo em Montreal. Mas nesse dia só dois dos 22 objetivos em discussão estavam fechados e não incluíam questões fulcrais como a redução em dois terços dos pesticidas, a eliminação do plástico, ou a eliminação ou redução drástica dos incentivos e subsídios nocivos para a biodiversidade.
Os 22 grandes objetivos da cimeira de Montreal, segundo a proposta já conhecida de objetivos imediatos e quatro grandes objetivos para 2050, pretendem reforçar a integridade dos ecossistemas e travar e inverter os riscos de extinção de espécies.
Além dos 30% de áreas protegidas, um sucesso na COP15 passaria também por assegurar que até 2030 pelo menos 20% de ecossistemas degradados estariam em recuperação, o uso sustentável de espécies selvagens, ou a gestão de espécies exóticas reduzindo para metade a disseminação de espécies invasoras.
A Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que reúne 15 países, anunciou no mês passado que apoia a proteção de 30% do planeta até 2030. Outros 100 países já disseram que apoiam essa meta, entre eles o bloco da União Europeia.
Em outubro a União Europeia (UE) anunciou que espera da COP15 objetivos ambiciosos, exaustivos e transformadores para 2030 e objetivos a longo prazo para 2050.
Com a ONU a declarar a presente década como a da restauração dos ecossistemas e a lembrar que entre 2010 e 2020 não foram cumpridas as metas de Aichi, a UE quer que um acordo global em Montreal inclua a recuperação de três mil milhões de hectares de ecossistemas degradados em terra e outros tantos no mar.
A UE e a Organização dos Estados da África, Caraíbas e Pacífico, que junta 79 países, anunciaram esta semana que vão apoiar no Canadá um marco global ambicioso para deter e reverter a perda de biodiversidade, que ameaça a segurança alimentar, a saúde, as economias e os meios de subsistência de milhões de pessoas.
Se promessas não faltam, as pressões também não. Em Sharm el-Sheikh, no Egito, onde no mês passado decorreu a cimeira da ONU sobre o clima, cientistas, empresários, ativistas e sociedade civil pediram um “acordo ambicioso” em Montreal, considerando como alarmante, catastrófico e potencialmente irreversível o estado da natureza.
E os mentores do Acordo de Paris sobre o clima, assinado em 2015 por 196 partes (estabelecendo o marco de 1,5 graus celsius de aumento da temperatura global), pediram também em Sharm el-Sheikh que os líderes mundiais assinem em Montreal um acordo idêntico que garanta a proteção da biodiversidade, afetada pelas alterações climáticas.
Na Cidade do Panamá, onde decorreu há poucos dias a 19.ª conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), a secretária-geral da organização, Ivonne Higuero, lembrou o número redondo: um milhão de espécies estão em risco de desaparecer.