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“Psiquiatras têm mais vontade de passar receitas do que eu de ir à casa de banho depois de emborcar três litros de água”

A procura de um psiquiatra começou há já uns anos. Tinha acabado de fazer 18 anos quando a vida me obrigou a procurar um especialista. A minha mente atravessava uma verdadeira crise existencial e teve a ideia genial de me querer provar porque é que se chamava assim. Porque mente! A mente, mente. Naquela altura, […]
1 Agosto 2019, 08h10

A procura de um psiquiatra começou há já uns anos. Tinha acabado de fazer 18 anos quando a vida me obrigou a procurar um especialista. A minha mente atravessava uma verdadeira crise existencial e teve a ideia genial de me querer provar porque é que se chamava assim. Porque mente!

A mente, mente.

Naquela altura, a minha parecia uma adolescente insuportável na idade do armário. Cheia de mentirinhas mesquinhas, altamente elaboradas e recheada de preceitos mordazes.

A primeira vez que me cruzei com um psiquiatra foi na urgência do Hospital de Santa Maria. Estava assustada, queria pedir ajuda e achei que aquele era o melhor sítio.

Mas já alguma vez foram a uma urgência psiquiatra?

São espaços assustadores, brancos e frios onde não se vê uma alma a vaguear no corredor ou sentada na sala de espera. O consultório, apesar dos seus espaçosos 50 metros quadrados, só tinha uma mesa e uma cadeira no centro. Parecia uma sala de interrogatório.

Apeteceu-me fugir dali feita louca mas, verdade seja dita, aquele não era o sítio ideal para o fazer.

 Controlei-me e saí de lá com três receitas e uma constipação. Uns dias mais tarde, começou uma longa caminhada na procura de um (bom) psiquiatra.

Se já tiveram essa necessidade, saberão que é um processo longo e penoso. Uma pessoa vai desembolsando uma data de dinheiro na esperança de que aquele seja o tal e de que dê frutos no futuro, como quem paga as propinas na faculdade à espera de arranjar emprego no final. Uns são mais caros que outros, poucos têm acordos com seguradoras, e lá vamos nós esvaziando a carteira, pagando uma e outra consulta, só para ter a certeza que não fizemos um julgamento precipitado e duvidando (ainda mais) da nossa saniedade mental.

Afinal, estarei assim tão mal para que me pareça que estão todos sob o efeito de sedativos?

As primeiras consultas são sempre as mais caras, supostamente por serem as mais demoradas, onde se discute a nossa história, os nossos medos e aquilo que nos levou até lá. As minhas nunca duraram mais de 15 minutos e olhem que já fui a mais de uma dezena. Deixava o meu ordenado no balcão das (sempre) simpáticas recepcionistas e lá voltava para casa, menos esclarecida e ciente de que iria comer atum o resto do mês.

Como não sou de desistir, sendo que o que ganhei em resiliência, perdi em carteira, lá continuei a marcar consultas nos mais variados psiquiatras. Uns desconhecidos pelos media, outros os bam-bam-bam do mediatismo. E considerando a minha amostra de mais de uma dezena, acho que ganhei o direito de dizer que os psiquiatras são pessoas estranhas.

São fechados, pouco calorosos, praticamente mudos e têm mais vontade de passar receitas do que eu de ir à casa de banho depois de emborcar três litros de água.

Adoram diagnósticos mesmo que não os consigam explicar, por mais perguntas que façamos, e rotulam-nos com os nomes mais bizarros que aprenderam na faculdade sem nos explicarem puto do que estão para ali a vomitar. Um bocado como aqueles pais que só decidem dar o nome aos filhos quando olham para a cara deles.

Ora, a senhora tem cara de quem tem personalidade borderline“, disse um. Outro achava que o que me assentava mesmo bem era uma depressão profunda ou, talvez, bipolaridade.

Cheguei a apanhar um a mexer no telemóvel a meio da consulta, outro tinha a cadeira dos pacientes tão afastada da mesa dele que quase era preciso gritar para que me ouvisse. Saí de lá rouca, com (mais) uma receita e menos 140 euros.

Nisto passaram-se dez anos, uma filha, alguns desafios profissionais e mais umas quantas consultas. Consigo compreender que ser psiquiatra é uma profissão difícil. Devem ver coisas assustadoras e ter sempre medo de quem lhes vai entrar pela porta.

E tenho plena consciência de que o meu caso deve ser equivalente a alguém que vai às urgências com uma constipação ligeira. Mas, bolas, falta-lhes humanidade.

Compreendo que assistir à degradação do cérebro e ao descontrolo humano, entre ataques de esquizofrenia, tentativas de suicídio, auto-flagelo ou psicoses, não deve ser fácil. Mas ninguém marca consultas de psiquiatria de rotina, como quem vai fazer um check-up ou umas análises para ver se está tudo bem. Quem os procura, de livre vontade, tem consciência de que algo não está bem e procura ajuda.

E as ajudas não vêm (só) sob a forma de princípios activos e guias terapêuticos.

 

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