A chamada geringonça acaba formalmente hoje, quando o Parlamento fechar as portas da Legislatura e deixar o XXI governo constitucional, chefiado por António Costa, em funções até às eleições de outubro.

Um liberal dirá que foi um tempo horrível. O Estado voltou a crescer. Reverteram-se privatizações anunciadas, sobretudo as dos transportes. Os impostos não pararam de subir. Outras ameaças ao primado do indivíduo espreitam no horizonte.

Um comunista, do PCP ou do Bloco, disputando ao PS o mérito do que foi possível fazer, dirá que foi um tempo razoável. Os rendimentos perdidos nos anos da troika voltaram mais depressa aos bolsos das pessoas.

Um social-democrata e um democrata-cristão se calhar continuam sem dizer nada de relevante e diferente, como se tornou moda nos últimos meses, deixando Portugal sem alternativa, entre a teimosia central de Rui Rio e a irrelevância política de Assunção Cristas.

Um socialista-do-PS tem razões para estar moderadamente satisfeito. Os principais indicadores económicos melhoraram, nem que fosse por reboque externo. O desemprego diminuiu. O défice foi levado às proximidades do zero. As cativações são um pormenor. O SNS há-de ter melhores dias. Só o verdadeiro combate à dívida foi adiado, pelo menos até a União Europeia voltar a olhar com atenção para as metas estabelecidas no Tratado Orçamental.

Uma forma de aferir com (a) isenção (possível) estes quatro anos pode ter como ponto de partida o discurso desconfiado de Cavaco Silva há quatro anos, no Palácio da Ajuda, no qual lembrou por duas vezes que se encontrava com os poderes cerceados no caso da dissolução do Parlamento. Para bom entendedor: dava posse porque não tinha outro remédio.

Nesse discurso, o então PR foi buscar toda a artilharia disponível para marginar a ação do governo, gerado por uma fórmula original na história da democracia portuguesa, que empossava contrariado. Citou-se a si próprio, e no que dissera antes, na tomada de posse do fugaz segundo governo de Passos Coelho. Agitou um outlook da OCDE. Visitou o mais recente relatório do Conselho de Finanças Públicas. Acabou num Boletim Económico do Banco de Portugal. Para Cavaco Silva foi importante pontuar duas coisas: a primeira era que o acordo que iria sustentar o Governo não tinha consistência; a segunda é que continuaria vigilante em relação a um conjunto de objetivos importantes para Portugal – estabilidade do sistema financeiro, (modelo de) crescimento económico e manutenção dos compromissos externos.

Ao dia de hoje, e pelo caderno de encargos de Cavaco Silva, António Costa saiu-se bem. O Governo protegeu a banca, muito para além das expectativas normalmente associadas a uma prática de esquerda; fez crescer a economia, mesmo que mais à custa do consumo do que das exportações; manteve-se firme nas convicções internacionais, da UE à NATO, e de tal maneira que Mário Centeno é hoje o presidente do Eurogrupo e até já hipótese para o FMI. Que a legislatura tenha chegado ao fim também não é um mero pormenor. Foi importante, até pelo novo posicionamento de BE e PCP, que deixaram de ser meros partidos de protesto e passaram a interpretar melhor as consequências do voto. O futuro dirá até quando.

Ou seja, luta política à parte, o balanço do governo de António Costa é positivo. A Europa reconhece-o e os portugueses, a acreditar nas sondagens, também. Tivesse Cavaco Silva falado de transparência do regime, eficácia no combate à corrupção e confiança no sistema democrático e algo seria diferente. Mas não falou. Inteligente, ou esperto, é António Costa quem já ameaça falar disso na próxima campanha.