Portugal enfrenta os desafios de uma sociedade onde faltam jovens e o número de idosos não cessa de aumentar. Desde 1970 o total de residentes com mais de 65 anos duplicou, enquanto a população com menos de 15 se reduziu a metade. Um em cada cinco residentes tem mais de 65 anos e entre os grupos populacionais que mais aumentam estão os maiores de 75. Os adultos têm em média mais de 45 anos e desde 2010 o número em idade potencial de saída do mercado de trabalho (55-65 anos) excede o número dos que estão em idade potencial de entrada (20-34 anos), deixando de estar assegurada a substituição da população ativa e contributiva. Até 2050 prevê-se uma redução populacional que poderá atingir os 30% nas zonas rurais e do interior. Seremos então tantos quanto fomos em 1960. A população muito idosa (85 ou mais anos) vai triplicar; os maiores de 65 anos duplicarão, os jovens serão menos 26% e a população ativa (contributiva entre outros para o sistema de saúde) será igual à de 1940 (menos 33%).

Os números inquietam e explicam a conotação negativa que persiste em relação à forma como olhamos as consequências do fenómeno de envelhecimento, esquecendo quanto o facto reflete conquistas inegáveis em termos de bem-estar e desenvolvimento. Nunca em Portugal se viveu tantos anos e com tanta saúde. Cada português nascido hoje vive em média mais 14 anos que viveria se tivesse nascido em 1970, o equivalente a duas vidas dos seus avós. Somos dos países do mundo com níveis mais baixos de mortalidade geral e infantil e o oitavo país com maior esperança média de vida à nascença (as portuguesas vivem em média 83 anos, os homens quase 78).

A mudança altera o total de contribuintes e o quadro das necessidades de cuidados e serviços de saúde. Até que ponto a redução da razão entre jovens e idosos e o aumento destes últimos pode aumentar os custos, num contexto recessivo da força ativa que assegure os respetivos pagamentos? Pode a alteração do perfil dos futuros residentes mitigar o tão temido cenário de insustentabilidade do sistema de proteção social ao reduzir a pressão sobre os serviços? Que soluções se exigem, de quem devemos esperar e a quem podemos exigir respostas consistentes e sustentáveis? Quais as prioridades e o que podemos e devemos fazer para garantir o melhor equilíbrio possível entre acesso e qualidade de cuidados de saúde, num contexto em que seremos menos e diferentes?

Menos e diferentes. Que impacto na saúde?

O envelhecimento demográfico gera desafios incontornáveis e de evolução certa, que exigem capacidade de olhar o presente com olhos no futuro. Os autores dividem-se sobre o impacto económico do fenómeno. É certo que o maior envelhecimento terá custos, mas a probabilidade de envelhecer saudável aumentou. Aos 65 anos um homem pode esperar viver mais 18 anos e uma mulher 22, embora metade desses anos com alguma incapacidade. Falamos de qualidade, de abrangência e de custos. No futuro que é já amanhã seremos mais velhos, mas mais saudáveis e com melhores hábitos, recursos e informação, o que reduzirá a pressão individual no sistema de saúde. Segundo a teoria do red herring. O grosso da despesa de saúde que os indivíduos comportam ocorre nos seus últimos dois anos de vida, o que adia os custos em prestação de cuidados de saúde, porque a esperança de vida continuará a aumentar. Também o avanço da ciência reduzirá o grau médio de dependência e incapacidade, aumentará o acesso a cuidados de saúde e prevê-se uma melhoria dos níveis de bem-estar social.

Quando falamos de saúde devemos falar da saúde que temos, em termos individuais e de sistema de prestação de cuidados, mas sem esquecer que as necessidades mudarão no futuro próximo. Não há planeamento sem análise prospetiva. Deverão ser feitos ajustamentos no sistema de saúde para garantir a qualidade dos seus serviços e a facilidade e equidade de acesso, facto que torna necessário começar hoje a articular o envolvimento conjunto das entidades financiadoras, dos prestadores de serviços e dos cidadãos. Há que identificar as particularidades do envelhecimento individual e encontrar respostas holísticas de apoio, que deverão ser oferecidas a par da tradicional prestação de cuidados de saúde.

Muito terá de mudar. Os serviços de saúde já não respondem de forma satisfatória mormente em termos de proximidade, o que sobrecarrega os serviços centralizados. E embora se reconheça que os cidadãos são cada vez mais aptos para terem um papel ativo na sua saúde, certas funções continuarão forçosamente a ter de ser asseguradas por profissionais.

Mas não devemos optar pelo discurso fácil de que que tudo vai mal no Reino da saúde, sem falar do que corre bem. Mesmo que ainda haja muito a fazer sobretudo em relação aos cuidados continuados, paliativos e de reabilitação, que serão cada vez mais complexos e envolverão um trabalho de equipa entre especialistas, devido ao aumento da variedade das patologias e multipatologias complexas. Numa sociedade ideal todos viveriam com saúde desde o momento do nascimento e ao longo da vida, com garantia da prestação de cuidados adequados sempre que necessário. A morte seria tardia, sem sobressaltos e feita no local e da forma escolhida. Não é esta ainda a realidade portuguesa.

Que saúde queremos e podemos ter?

Queremos serviços de qualidade socialmente justos, tecnologicamente apropriados, sustentáveis e regionalmente ajustados, independentemente da conjuntura económica e dos ciclos eleitorais, adequados às necessidades individuais e que garantam uma plataforma comum de prevenção, acesso e tratamento, independentemente da idade, rendimento, local de residência.

Lidamos com fatores que geram alguma apreensão (diminuição do número de residentes, estrutura etária triplamente envelhecida com três vezes mais idosos que jovens, menos população ativa e com mais idade) e com outros que sugerem alguma redução nos gastos com saúde (futuros residentes com maior literacia, informação e recursos, mais saudáveis, embora também mais conscientes dos seus direitos a cuidados de saúde). É com base nesta realidade que devemos atuar, sem olhar repetidamente para o passado e para como era antes, esquecendo o que melhorou e reforçando o que ainda não nos satisfaz.

A noção de que vivemos uma era de mudança tem de ser acompanhada da informação necessária para garantir que sabemos o que mudar e como. Tal objetivo implica que a saúde seja transversal a outros setores, como a educação para a saúde, e é este investimento que verdadeiramente permite a passagem de uma lógica de quantidade de vida para a lógica de qualidade de vida, independente da estrutura etária da população. Mais que gastos significativos, o processo de envelhecimento das próximas décadas exige reafectação de verbas e investimento em serviços e recursos especializados em função da mudança de perfil de morbilidade e que considere as particularidades locais e regionais dos utentes. Mas há que combater a lógica de que compete ao Estado garantir a todos cuidados de saúde.

O direito à saúde não resulta apenas do sistema de saúde. É mais abrangente, porque decorre da capacidade da sociedade para canalizar todas as suas capacidades e por essa via contribuir para que os seus cidadãos sejam produtivos, participativos e proativos. O direito à saúde resulta das características do sistema de saúde e da forma como a sociedade se organiza sem menosprezar ou eliminar as formas tradicionais de solidariedade comunitária e sobretudo o papel da família. Implica direitos e também deveres, porque mudar o estado de saúde de uma pessoa significa intervir sobre e com essa pessoa e não pode ser feito sem ela.

Não se trata de garantir boa saúde, mas sim de criar condições para que todos possam aceder aos tratamentos necessários para ter boa saúde. Medidas conformes às especificidades reais e perfil epidemiológico dos utentes, às características territoriais e legislação transparente sobre os níveis de responsabilidade das instituições e dos profissionais contribuirão para alcançar padrões de excelência de saúde e qualidade de vida para todos, bem como sustentabilidade económica e financeira.

O direito à saúde continuará a ter de ser defendido por muitos atores: entidades financiadoras (Estado e famílias); prestadores de serviços (primários, hospitalares, de continuidade, reabilitação, paliativos; cidadãos (comportamentos proativos, capacidade de diagnóstico precoce, vigilância. Todos devem contribuir para um mesmo propósito (não estanque): garantir o melhor estado de saúde e os melhores e mais adequados tratamentos e serviços. É bom saber que continuamos a ser um país onde se vive muitos anos. Resta garantir que o fazemos com a melhor qualidade possível. Exige-se para tanto planeamento e uma mudança de paradigma societal.

 

Teresa Ferreira Rodrigues assina este texto na qualidade de Autora do ensaio “Envelhecimento e Políticas de Saúde” da Fundação Francisco Manuel dos Santos.