Muito se tem falado da dimensão dos apoios do Estado na resposta à crise e de que a elevada dívida pública é um garrote para uma intervenção massiva.

Na realidade, o endividamento é enorme e não pode ser ignorado, mas a retórica de que somos um país pobre e endividado e, como tal, não podemos ter manias de país rico e devemos gastar poucochinho para reagir à intempérie, não ajuda a resolver nem a pobreza nem o endividamento: como somos pobres não podemos pagar a dívida, como temos dívida não podemos intervir massivamente e logo crescemos pouco, e como não crescemos a dívida não diminui. Ou seja, sermos pobres e endividados obriga-nos a continuarmos pobres e endividados.

Este discurso fatalista tem que mudar e temos de quebrar o círculo vicioso da pobreza. Este Governo mostrou que, mesmo devolvendo rendimentos, se consegue diminuir a dívida de forma sistemática: entre 2018/19 apenas quatro países da União Europeia a reduziram, em pontos percentuais, mais do que nós. Temos, neste momento, uma Europa cooperante e acesso a fluxos financeiros como não tínhamos há mais de duas décadas, temos juros historicamente baixos e uma reputação internacional restaurada, ou seja, estão reunidas as condições para rompermos com a sina de cauda da Europa e tentarmos dar um salto em frente.

Ora, a dívida é relevante como percentagem do PIB (é um rácio) e podemos ser um pouco mais relaxados com o numerador se criarmos condições para o denominador crescer. Mesmo assim é perigoso, previnem-nos: os juros têm que subir um dia e o serviço da dívida ficará difícil de suportar. Sim, eventualmente, mas não sabemos quando. E não devemos deixar de aproveitar o capital disponível e barato, por medo de que um amanhã (cinco, 10 anos) obviamente incerto, nos traga juros elevados. Mais, se tivermos quebrado o círculo, quando tal acontecer estaremos mais bem equipados para fazer face a conjunturas adversas, porque teremos uma economia mais dinâmica, competitiva e resiliente.

É o momento de tentarmos inverter o processo, garantindo o acesso generalizado a boa educação pública e a um serviço nacional de saúde de qualidade, levando a cabo uma transição digital inclusiva e, finalmente, procurando ultrapassar algumas questões estruturais da economia portuguesa: diminuindo fragilidades do mercado de trabalho, pagando salários mais próximos dos da Europa, nomeadamente um salário mínimo digno (com empresas capazes de o suportar), renovando o tecido empresarial, diversificando a base produtiva, apostando em setores e projetos competitivos e rentáveis (e consequentemente que se paguem a si próprios).

Isto exige investimento público, bem dirigido e focado, eficaz e eficiente e, sobretudo, catalisador do investimento privado. Exige, evidentemente, muito Estado. Um Estado que apoie as pessoas, ajude a requalificar e redirecionar competências e garanta a todos um mínimo de condições de vida digna e de bem-estar. Isto requer dinheiro e, consequentemente, mais dívida.

Mas é como pedir emprestado para mudarmos as janelas da casa: no futuro, a fatura da eletricidade será bem menor.

Se aproveitarmos esta oportunidade para darmos um salto grande, a fatura para as próximas gerações, será com certeza muito mais fácil de pagar.