1. Rui Pinto não estará certamente entre o grupo de receosos do que poderá, eventualmente, vir a acontecer no mundo de Isabel dos Santos.

Pela forma como está a agir e sempre agiu no campo dos negócios e do uso da política com esta mesma finalidade, Isabel dos Santos está a evidenciar os seus grandes dotes pessoais (inteligência, sagacidade, oportunismo, capacidade de negociação) e a mostrar que sabe rodear-se de uma gama de assessores de envergadura e abrangência técnica e de influência. Soube colocar bem as pedras no tabuleiro do seu xadrez, até mesmo os momentos mais difíceis.

Ou, melhor dizendo, a sua experiência dos mundos multifacetados dos negócios e da política, em associação com recursos financeiros de peso é tamanha, o que lhe dá margem para, na conjugação destes elementos, encontrar saídas para que, mesmo na situação difícil a que chegou, evite ambientes de catástrofe, de afundamento total do império.

Em termos de assessoria estratégica, consta que um ilustre e experiente jurista inglês tem estado a delinear e aconselhar a Engª. Isabel dos Santos na montagem de uma saída, no sentido de vir a recuperar os seus activos em Luanda.

Apesar de notícias contraditórias, normais nestas circunstâncias nebulosas, mesmo quando constam ter origem nas altas esferas, Isabel dos Santos entrou na tentativa de mudar rapidamente de agulha e abrir a oportunidade de negociar com Luanda a cessação do arresto dos seus bens, apontando para o pagamento das chorudas maquias das dívidas contraídas junto da Sonangol (193 milhões de euros) e da Sodiam (146 milhões), montantes tão avultados que se tornam aliciantes num país altamente endividado. Mas consta ainda existir um certo espírito de abertura de ir mais além.

E se as negociações chegarem a bom porto, tudo pode ficar sanado entre Isabel dos Santos e o seu país, sem recurso a execuções fiscais e com os problemas de justiça arquivados.

Atenção, há alguns problemas jurídicos neste imbróglio todo, mas, no fundo, do que se trata é de política. Foi nesse contexto que o império cresceu e se desenvolveu e será nele que as principais decisões irão decorrer e gravada ficará a marca do processo.

Foi, sem dúvida, a mudança de protagonistas na gestão da coisa pública e política em Angola, com a ajuda preciosa de Rui Pinto, recentemente, quem está a contribuir para uma nova arquitectura do império de Isabel dos Santos. Outro império há-de nascer das cinzas deste. Com que dimensão, formato, ainda é muito cedo.

Mas que desta Isabel dos Santos nascerá uma outra com novos actores, sem dúvida, até porque muitos dos até há pouco protagonistas já desertaram, saíram do palco para a sombra e à procura de esconderijos.

2. Mas é um facto. Anda tanta gente amedrontada. Alguns até já deram o flanco, depois de se terem amesendado durante muitos anos na sua manjedoura e levado algumas fatias do bolo. Desertaram a ver se escapam, se entram na penumbra, no esquecimento. Mascaram-se para ver se passam despercebidos.

Já há bastantes factos conhecidos:

  • Houve a deserção de advogados que trabalhavam directamente para Isabel dos Santos, bem como de alguns administradores das empresas que tutelava.
  • Desertaram também sociedades de advogados de nome firmado na praça lisboeta.
  • Sócios das empresas de Isabel dos Santos cortaram as pontes com ela, havendo pressão para a venda das suas acções como está a acontecer em grandes empresas como a NOS, Efacec, EuroBic, etc.
  • Empresas de auditoria cortaram os laços, mostrando-se agora estupefactas mediante as denúncias, alegando terem sido “manipuladas”, com todos os males que agora certamente presumem cair do céu aos trambolhões.
  • Afirmam as entidades reguladoras que, pelo seu lado, tudo fizeram de legal sobre o branqueamento de capitais e fuga aos impostos. Desse enredo de transferências sistemáticas para offshores de nada se aperceberam.

Em síntese, neste imbróglio do universo de Isabel dos Santos, só há um mau da fita, a Eng.ª Isabel dos Santos. Tudo o resto é uma série de “gente sã”, à sua maneira, com argumentos de última hora que só convencem mesmo quem quer deixar-se convencer. Até Davos fez chegar a Isabel dos Santos que a não queria lá, como se muitas Isabéis dos Santos não frequentassem Davos.

3. Nada se sabe sobre o comportamento da justiça portuguesa face a este caso. Sabe-se apenas que Angola solicitou apoio a Portugal através da respectiva Procuradoria e que esteve cá em reunião o Procurador-Geral de Angola e outros técnicos.

Mas afigura-se que há mínimos a cumprir pela justiça portuguesa.

Perante o escândalo do Luanda Leaks, sabido ainda que a ampla informação estendida pelo Mundo teve origem em Rui Pinto, mais um facto a que a justiça portuguesa deveria dar atenção e de que há fortes indícios de crimes de branqueamento de capitais, falsificação de contas, transferências para offshores sem cumprimento da legalidade com eventuais prejuízos de terceiros.

Estaremos perante eventuais casos graves do foro criminal. O que irá acontecer? Como agirá a justiça portuguesa? Por enquanto, uma caixa negra.

Mais um processo que, certamente, se arrastará por uns bons e largos anos nos tribunais pois nos chamados “crimes” de colarinho branco, já sabemos, infelizmente, o que a casa gasta. Montanhas e montanhas de documentos, depoimentos, testemunhas e, depois, o pagamento de uns quantos euros que, em nada se coaduna com os reais impactos financeiros e económicos negativos, acaba mais ou menos por limpar a face aos eventuais autores e actores, quando não mesmo o arquivo ad aeternum, digamos, um cesto de papéis dourado, uma prateleira que um dia reverterá para um arquivo histórico para memória.

4. Mas será que não haverá problemas ainda maiores de ligações, influências encobertas que podem, pelo aparecimento de um outro Rui Pinto ou deste com outra informação encriptada, criar mais uns quantos imbróglios complexos, eventualmente mais comprometedores…?!

Que se saiba, no meio empresarial há sempre muita cumplicidade entre os sócios mesmo quando de interesses em disputa e estas interacções geram muitos conhecimentos e co-responsabilidades. Ora, foi nestas águas que Isabel dos Santos navegava, com umas fundações ao lado que também conhecemos do nosso tecido empresarial. Cada um poderá fazer as suas conjecturas e aguardar por mais novas.

Será que não há muita gente interessada em cada vez se mexer menos neste assunto?

Se em Angola houver avanços de entendimento na resolução e muita gente anseia por isso, a situação por cá tenderá a ter um determinado desfecho. Caso contrário, poderá haver ricochetes indesejáveis para certas pessoas e instituições que tentam passar na sombra. Assim, o campo dos receosos de Isabel dos Santos em Portugal é um enigma em aberto, mas com lastro.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.