À semelhança de 2014, nas eleições europeias de 2019 os partidos europeus voltaram a associar às respetivas famílias políticas europeias um cabeça de lista (na expressão alemã “spitzenkandidat”). Seguindo esta lógica, o spitzenkandidat do partido mais votado seria posteriormente nomeado presidente da Comissão Europeia pelo Conselho Europeu (chefes de estado e de governo), e esta nomeação teria depois de ser aprovada pelo Parlamento Europeu por maioria absoluta dos seus membros.

Por outro lado, a institucionalização do processo do spitzenkandidat era vista pelo Parlamento Europeu como uma forma de reforçar os seus poderes, a sua influência e demonstrar a sua legitimidade democrática por ser diretamente eleito. Por outro lado, uma decisão do Conselho Europeu, independentemente deste processo, reforçaria a legitimidade democrática desta instituição (que reflete a cada momento a constituição de cada governo nacional) e colocaria o Parlamento Europeu num segundo plano.

Nas negociações pós-eleitorais, que decorreram em duas longas cimeiras em Bruxelas, foi ficando claro que nenhum dos spitzenkandidaten reunia apoio suficiente para ser nomeado presidente da Comissão Europeia. Apesar do Partido Popular Europeu (PPE) ter sido o partido mais votado, o presidente francês Emmanuel Macron era contra a escolha do spitzenkandidat do PPE, o alemão Manfred Weber.

Por outro lado, os líderes da Polónia, República Checa, Hungria, Eslováquia e Itália (entre outros), bloqueavam o nome do holandês Frans Timmermans, o spitzenkandidat da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D). Timmermans havia sido o nome escolhido pelo chamado “grupo de Osaka” onde, à margem da última cimeira do G20, os líderes da França, Alemanha, Holanda e Espanha haviam chegado a um acordo preliminar. Finalmente, a dinamarquesa Margrethe Vestager, que havia sido uma das spitzenkandidaten da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE), também não reunia apoio suficiente.

Estas negociações foram longas e complicadas até que Macron propôs o nome da alemã Ursula von der Leyen, atual ministra da defesa alemã, para o lugar de Presidente da Comissão Europeia. Apesar deste nome não fazer parte da lista dos spitzenkandidaten, a proposta recebeu votos favoráveis de todos os líderes, exceto de Angela Merkel, a qual se absteve.

O primeiro-ministro belga Charles Michel foi nomeado para liderar o Conselho Europeu, o ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol Josep Borrel foi nomeado Alto Representante para a Política Externa Europeia e a francesa Christine Lagarde (atual Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional) foi a escolhida para Governadora do Banco Central Europeu. No âmbito deste compromisso terá supostamente sido acordado que Timmermans e Vestager teriam posições de relevo na nova Comissão, em princípio como vice-presidentes.

Em acréscimo, e apesar de não ter nenhum papel formal nesta escolha, como compromisso o Conselho Europeu apoiou um candidato da S&D para liderar o Parlamento Europeu. Isto foi comprovado quando, no dia seguinte, o socialista italiano David Sassoli foi eleito como novo Presidente do Parlamento Europeu.

Com a nomeação de Ursula von der Leyen, os chefes de estado e de governo dos (ainda) 28 estados-membros afastaram-se do processo do spitzenkandidat tendo demonstrado onde reside ainda o verdadeiro poder da União Europeia. A derradeira confirmação ocorreu umas semanas depois – e apesar de várias vozes dentro do Parlamento Europeu terem protestado quanto ao abandono deste processo e avisado quanto a uma provável crise interinstitucional – com a aprovação da nomeação com 383 votos a favor (apenas nove votos acima do limite mínimo, mas ainda assim desconfio que ninguém se lembrará destes números no futuro).

Muitos analistas haviam antecipado a rejeição da nomeação de Ursula von der Leyen pelo Parlamento como forma de protesto mas, no final, os compromissos acordados pelos chefes de estado e de governo foram respeitados e a cooperação institucional levou (até agora) a um processo de transição relativamente calmo.

Para o sucesso desta nomeação muito contribuíram as múltiplas promessas incluídas no discurso de Ursula von der Leyen imediatamente antes da votação. Este discurso foi preparado para agradar ao centro e ao centro-esquerda e incluiu promessas no âmbito das alterações climáticas através da criação de um novo “European Green Deal”, uma promessa de metade da próxima Comissão Europeia ser composta por mulheres, novas regras apertadas para assegurar que as empresas do sector tecnológico pagam os devidos impostos, e a promessa da Comissão de iniciar um procedimento legislativo caso este seja pedido pelo Parlamento Europeu (que formalmente não tem o poder de iniciativa), entre outras promessas ambiciosas.

Agora que Ursula von der Leyen está confirmada como presidente eleita da Comissão Europeia para o mandato 2019-2024, a próxima fase será a de constituir uma equipa de comissários – após propostas dos Estados-membros – para ser aprovada na sua globalidade pelo Parlamento Europeu. Em acrescento a esta votação global, os candidatos a comissário serão objeto de escrutínio detalhado em audiências nas comissões parlamentares responsáveis pelas respetivas áreas de atuação, e terão de responder a perguntas concretas e detalhadas. No passado, candidatos a comissários já foram rejeitados, e os respetivos países forçados a enviar novos nomes para Bruxelas.

Até ao momento estão confirmadas 19 nomeações – incluindo a presidente eleita – das quais oito são mulheres (mais perto da igualdade de género prometida, mas ainda não totalmente equilibrada). Quando todos os países tiverem proposto os respetivos comissários, a presidente eleita deverá atribuir a cada candidato uma determinada pasta. Outra decisão importante terá a ver com a organização da estrutura hierárquica da Comissão, onde é inevitável que, em 28 comissários, existam distinções entre posições mais relevantes (reconhecidas na Comissão Juncker através de “vice-presidências”) e outras com menos importância.

Uma forma de os países procurarem assegurar pastas influentes é a de reconduzirem os atuais comissários pelo que, dos 19 nomes já designados, oito já faziam parte da Comissão Juncker e previsivelmente terão a vida facilitada nas respetivas audiências parlamentares. Aliás, dois dos oito comissários reconduzidos já haviam feito parte da segunda Comissão Barroso (Johannes Hahn da Áustria e Maroš Šefčovič da Eslováquia), pelo que estes certamente esperarão pastas relevantes.

Enquanto a maior parte dos europeus estará de férias nas próximas semanas, ocupados a recarregar baterias e a desfrutar do sol, o verão de Ursula von den Leyen deverá ser bastante diferente, ocupado a concluir a formação da sua equipa em articulação com os Estados-membros, a decidir a respetiva estrutura e organização e a preparar as audiências parlamentares previstas para o fim de setembro/início de outubro. Esperemos que os deputados voltem de férias de bom humor e dispostos a permitir que a nova Comissão Europeia possa entrar em funções, como previsto, no dia 1 de novembro de 2019.