Vivemos um momento atípico e excecional da nossa história. Fomos assolados com a maior pandemia de que há registo no último século, vimo-nos mergulhados numa crise política, parte dos resultados eleitorais foram anulados, levando a um atraso de mais de um mês na tomada de posse do novo Governo e o país continua a viver em duodécimos. Quando a luz aparecia finalmente ao fundo do túnel, o preço da eletricidade subiu, a tal luz que, timidamente, começava a surgir ficou mais cara e somos confrontados com uma guerra na Europa. Tudo isto sem que o Benfica tenha, sequer, ganho um campeonato!

A lei fiscal encarna, no entanto, uma espécie de paradoxo da estabilidade em que a única constante é a mudança. Assim, mesmo nestes tempos de imprevisibilidade, podemos confortar-nos com a certeza de que, mais tarde ou mais cedo, teremos um orçamento e novas alterações aos nossos códigos tributários. Contudo, os agravamentos e desagravamentos tributários são frequentemente usados como uma válvula de escape cuja utilização tende a não ultrapassar os circunstancialismos de cada momento. Por outras palavras, são muitos os casos em que a abordagem legislativa se traduz na aprovação de novas exceções e não uma revisão estruturada do regime-regra. A consequência desta abordagem é a manutenção em vigor de regimes datados e assentes em pressupostos que nem sempre permanecem válidos.

No presente contexto, talvez seja, contudo, altura de refletir mais profundamente sobre como o sistema fiscal, nomeadamente o regime de mecenato, poderia contribuir de forma mais eficiente e estruturada para ajudar os cidadãos: a cultura, a educação, a saúde, os refugiados, os menos favorecidos de uma forma geral. Com efeito, num mundo globalizado, em que os problemas económicos e sociais se estendem para além das fronteiras dos Estados, questiono a razão pela qual continuam a existir obstáculos à dedução fiscal de donativos a entidades não residentes, tirando partido da eficiência da capacidade já instalada noutros locais? Por que razão continuamos a sentir dificuldades em deduzir fiscalmente gastos incorridos com a mais básica e representativa das ações filantrópicas – ajudar diretamente uma pessoa ou uma família –, ou em replicar o exemplo dos mecenas de outros tempos, apoiando diretamente um artista, doando dinheiro, bens ou até mesmo serviços?

Neste sentido, quem me dera não ter nada a dizer sobre impostos, mas tenho. Tenho, porque, no que respeita ao mecenato e à filantropia, o sistema fiscal não é neutro quanto às opções dos contribuintes. Mais: o regime em vigor limita, em muitos casos, a tipologia das nossas ações mecenáticas e filantrópicas, reduzindo, consequentemente, a sua eficiência.

Não tenho quaisquer dúvidas de que a presente crise económica e social e a instabilidade geopolítica vão levar à introdução de novas alterações à nossa lei, adicionando-se mais um retalho à manta já existente. Mas mais do que cinco novas exceções, no que respeita ao mecenato e à filantropia, precisamos de uma alteração estruturada e estratégica que permita aos contribuintes ajudar como podem e querem, aumentando a eficiência das suas ações.