Foi notícia no passado mês, a chegada ao Parlamento de uma proposta de alteração da Lei-Quadro das Fundações. Adiantava que o Governo pretende ver os seus poderes reforçados na fiscalização das fundações privadas. Avançava o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros que o Governo procura “combater um certo estigma que recaiu sobre elas nos últimos anos”. Parece muito ténue a linha entre a vontade de contribuir para combater o estigma, e a ingerência na gestão de instituições que são privadas, e cuja essência é contribuir para o interesse social, como previsto na lei, com provas mais do que dadas.

As fundações entenderam não se pronunciar publicamente sobre o assunto. É verdade que quem não deve não teme, e dar importância ao assunto, contribuindo para a sua publicidade, poderia dar um sinal de que o chapéu cabe na cabeça. Assim, parece bem não dar importância pública a um anúncio que diz apenas respeito às fundações que distorcem a essência do ‘ser fundação’. Mas, ao mesmo tempo, quem cala consente, e sob esta perspetiva, é uma oportunidade perdida de sacudir uma atitude paternalista do Governo. Mas vão sempre a tempo.

Há muitas fundações que fizeram e fazem muito pelo país. Fazem, mas anunciam pouco ou não anunciam. De facto, segundo a Conta Satélite da Economia Social (sim, porque as fundações são parte da Economia Social, porque são entidades sem fins lucrativos), as fundações são 619, têm mais de 14000 colaboradores que auferem 304 milhões de euros em remunerações. Representam apenas 0,9% das entidades da Economia Social, mas contribuem para 6% do emprego, 7% das remunerações e 6,9% do Valor Acrescentado Bruto desse universo. Assim, as fundações têm um impacto económico mais do que proporcional ao peso em número de entidades dessa natureza.

Avancemos brevemente por dois assuntos – o da sua essência e o do seu impacto além do económico. Vejamos o primeiro, o da essência do ‘ser fundação’. Existem fundações hoje em Portugal constituídas no século XIX e fundações constituídas nos últimos anos, fundações com um património de dimensão paralela à das maiores fundações europeias e fundações com muito poucos recursos, fundações com atividade na área social, incluindo a deficiência, na área da educação, na área da cultura, na área da investigação, na promoção da cidadania e outras. Umas focadas numa única área de atividade, outras em múltiplas.

Portanto, as fundações são muito diferentes entre si, mas há algo na sua essência que as torna iguais – o elemento central em todas elas é o património (sendo isso o que as distingue das associações), e o fim para o qual são criadas é um “fim de interesse social”, tal como está na lei. E é a real prossecução deste fim que, por vezes, é colocada em questão relativamente a fundações concretas. Fundações criadas intencionalmente, para artifícios fiscais e outros também reprováveis. Mas estas não são as fundações que eu conheço e as que eu admiro, as que não têm nada a temer e que a sociedade portuguesa devia conhecer. Avancemos então para este outro assunto.

Há fundações com projetos extraordinários – uns de dimensão local, outros regional e outros, ainda, de dimensão nacional. Há, nessas fundações, pessoas concretas e equipas extraordinárias que são autênticos empreendedores sociais. Que são nós de redes de parceiros que conseguem atrair e conquistar, com trabalho e com resultados. Que mobilizam fundos, seus e de outros, para causas que nem privados nem governos abraçam, porque ou não querem ou não têm capacidade para tal. E as fundações são capazes de tudo isso porque têm, de facto, algumas características que as tornam únicas.

O património ao serviço do interesse social que elegeram, a reputação que atrai parceiros e a sua visão de longo prazo ancorada no compromisso dos instituidores com a causa eleita, são a base para a capacidade das fundações de gerarem impacto social. Conheço muitas. Me perdoem por as não nomear, para não cometer injustiças porque aqui não caberiam todas. Mas elas far-se-ão notar. Porque a sociedade portuguesa merece conhecê-las.