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“Queremos finanças equilibradas para não estar sempre de mão estendida para Lisboa”

O secretário regional das Finanças e da Administração Pública, Rui Gonçalves, diz que a Madeira precisa de ter capacidade para definir o seu próprio caminho. A dívida é pesada, mas sustentável e está a ser paga.
25 Fevereiro 2017, 11h00

Que retrato faz da situação financeira regional?

O de uma situação perfeitamente estabilizada, em que estamos, em simultâneo, a cumprir todas as nossas responsabilidades, sem qualquer atraso ou sobressalto, e a reduzir a carga fiscal, a aumentar rendimentos e a reforçar as verbas para as áreas sociais, que é o caminho que temos vindo a fazer desde há dois anos. Manter este rumo é um desafio permanente. O caminho é longo e ainda temos muitos obstáculos pela frente, mas estou confiante que os vamos ultrapassar a todos.

Se fizéssemos uma análise à atual realidade financeira regional, quais seriam os pontos mais fracos e os mais fortes?

A “atual realidade” de que fala é muito diversa – para melhor – da realidade de há cinco anos e, até, da realidade de 2016. Estamos, dia após dia, numa situação melhor do ponto de vista financeiro e, sobretudo, económico – que é, no final, o que realmente interessa. A realidade financeira regional beneficia muito do conceito político de autonomia e esta constitui uma das nossas maiores potencialidades: podemos tomar medidas que nos permitam melhorar a vida na nossa região acima da média do país, seguindo e determinando o nosso próprio caminho. Mas, para isso, precisamos de ter recursos próprios, já que o Estado – que é centralista por natureza – muito dificilmente irá financiar políticas da nossa iniciativa que façam a região descolar muito da média nacional.

É algo que não consigo compreender, mas é a realidade e é com ela que temos de lidar. Daí a necessidade de termos uma situação financeira equilibrada, para podermos definir o nosso caminho, sem estarmos sempre de “mão estendida” para Lisboa à espera de umas migalhas do orçamento do Estado – que nos é sempre dado, quando é dado, “embrulhado” em comentários pouco abonatórios. Mas isto não significa desistirmos de reivindicar o que nos é devido, que é um direito que nos assiste e do qual não iremos abdicar. A região encontra-se hoje numa fase particularmente favorável e a estabilidade governativa é uma realidade. Bons resultados orçamentais em quatro anos consecutivos têm credibilizado a atuação do governo regional e reforçado o seu capital de confiança e capacidade negocial. Estes são pontos fortes que nos permitem encarar o futuro com moderado otimismo. Por outro lado, a nossa vulnerabilidade decorre, sobretudo, da exiguidade territorial e consequente limitação demográfica e de mercado, que nos faz depender enormemente da atividade do turismo e do Centro Internacional de Negócios da Madeira que, inexplicavelmente, está outra vez sob ataque. Qualquer desestabilização nestes dois pilares da economia tem um impacto muito significativo.

Concorda quando se diz que a autonomia regional está condicionada a uma dívida demasiado elevada?

Desde 2012, já baixámos a dívida em mais de 1.000 milhões de euros [de 6.636 milhões de euros para 5.571 milhões de euros no terceiro trimestre de 2016], numa redução acumulada na ordem dos 16%. São mais de 266 milhões de euros, em média, por ano, de redução da dívida. Não se pode exigir mais num período tão curto, até porque temos outros compromissos que não podem deixar de ser cumpridos, como o financiamento de todas as políticas públicas, o próprio funcionamento da Administração Pública Regional e o financiamento das medidas que tomámos para o aumento dos rendimentos – redução do primeiro escalão do IRS em 15%, reposição do subsídio de insularidade e dos salários na função pública, redução das taxas de ISP e introdução da taxa intermédia do IVA na restauração -, que têm um impacto orçamental acumulado superior a 37 milhões de euros. Mas temos de concordar que temos de continuar a reduzir as nossas responsabilidades, que é exatamente o que continuamos a fazer.

Acha que a Madeira tem possibilidade de pagar a dívida?

Atualmente, a dívida da região é sustentável e a Madeira tem todas as condições para honrar todos os compromissos assumidos, como aliás tem sido feito. Aquando do programa de ajustamento, a região apresentou ao Ministério das Finanças uma estratégia de pagamentos para a sua dívida comercial. Teve de demonstrar que a sua dívida, incluindo a das empresas públicas reclassificadas, era sustentável e que conseguia gerar os recursos financeiros suficientes para pagar todos esses compromissos. Apesar de já não estarmos condicionados pelo programa de ajustamento, a região continua a dar cumprimento a essa estratégia, tendo conseguido, por exemplo, antecipar vários pagamentos, principalmente no setor da saúde, o que tem permitido melhorar a gestão diária e de rutura de stocks do SESARAM [Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira] e melhorar o poder negocial junto dos fornecedores.

A realidade financeira da Madeira tem dificultado o acesso da região ao mercado de financiamento bancário?

A situação do acesso aos mercados por parte de entidades públicas nacionais não está, como é sabido, totalmente normalizada, apesar de ter vindo a melhorar. A situação é mais restritiva no caso das regiões autónomas, porquanto não têm acesso ao programa de compra de dívida do BCE, situação inversa da República. Esta circunstância limita o acesso ao financiamento e coloca pressão sobre o custo desse financiamento. Ainda assim, em 2015 a região contraiu um empréstimo de 185 milhões de euros, sem garantia da República, e em 2016 contraiu um financiamento de 75 milhões de euros, igualmente sem aval da República, o que significa que os bancos acreditam genuinamente na região e no trabalho que o governo regional tem feito.

É pacífico que se cometeram erros em alguns investimentos públicos de envergadura, que acabaram por onerar a região e estão longe de garantir a sustentabilidade. Concorda?

Não irei tecer comentários ao que está feito ou que poderia ter sido feito e não foi, porque isso não irá resolver nenhum dos problemas atuais, com os quais temos lidado e resolvido. Temos de olhar para o futuro e isso só se faz se estivermos de costas voltadas para o passado, do qual devemos trazer apenas a memória que nos ajude a tomar as melhores decisões no presente. Ainda assim, se me fosse dada a possibilidade de, por magia, substituir alguns investimentos que foram feitos por um outro, não hesitaria em escolher o novo hospital em detrimento de outros investimentos que, podendo ser importantes, não são, do meu ponto de vista, tão relevantes para o conjunto da região. Mas, como digo, falar sobre isto não traz qualquer mais-valia.

Acha que a lei de finanças regionais em vigor é justa ou constitui um entrave para a Madeira?

A região defende, desde o infeliz episódio de ataque à autonomia financeira perpetrado pela Lei Orgânica de 2007, uma revisão da Lei das Finanças Regionais no sentido de ajustá-la à realidade das regiões autónomas. É igualmente necessário retirar o caráter demasiado punitivo de algumas normas, sendo que deveria prevalecer o apoio à gestão orçamental no relacionamento entre a República e as regiões autónomas. Nos últimos anos, a Madeira cumpriu de forma exemplar as metas orçamentais que lhe foram impostas e tem apresentado uma trajetória das contas públicas notável a todos os níveis. Não se trata, portanto, de nos opormos à inclusão de regras orçamentais, mas à desadequação de conteúdos, sobre os quais não existe ainda consenso sobre a fórmula de cálculo e cujo grau de exigência no seu cumprimento é praticamente inexequível para ambas as regiões autónomas. É necessário, por outro lado, calibrar os apoios entre as duas regiões autónomas e melhor explicitar que as receitas cobradas nas regiões, mesmo com caráter extraordinário – como, por exemplo, a sobretaxa de IRS – revertem para os orçamentos regionais. Não podemos aceitar que os nossos impostos sejam utilizados para financiar despesas do Orçamento do Estado, quando ainda temos carências por colmatar por falta de meios financeiros.

Quanto é que a Madeira paga por conta dos juros da dívida?

Em 2016, os encargos com os juros da dívida financeira ascenderam a 110 milhões de euros.

É verdade que para além dos juros pagos, o Estado também lucra com a dívida da Madeira, cobrando comissões? A quanto ascendem anualmente esses encargos?

Sim, é um facto. No último ano, entre comissões de garantia e a comissão de 0,15% sobre o custo do financiamento do Estado, os encargos ultrapassaram os 4,5 milhões de euros. Foi solicitado ao Ministério das Finanças, em outubro de 2016, a revisão do spread do empréstimo do Estado à região, aliás, em linha com o que foi defendido pelo atual primeiro-ministro, na altura líder da oposição, mas ainda não obtivemos qualquer resposta.

O Programa de Assistência Económica e Financeira foi um instrumento de submissão da região ao Estado, devido às exigências em matéria financeira?

Qualquer programa de ajustamento não deixa de ser um instrumento de submissão, como lhe chama. Utilizando essa expressão, podemos dizer que Portugal ficou submisso da vontade dos credores (troika), como a região também ficou submissa da vontade da troika e do Governo da República. No nosso caso, foi submissão em dose dupla, porque o Estado que estava a ser punido pela troika tinha necessidade de nos punir numa dose ainda maior. A lógica era castigar. Era uma espécie de terapia para algumas pessoas que estavam a acompanhar o programa e que felizmente acabaram por sair, o que permitiu introduzir ponderação ao processo e restituir a dignidade à região. Lembro-me de que no início do programa, mesmo tendo dinheiro na conta, tínhamos de pedir autorização para pagar qualquer despesa, mesmo que fosse uma despesa de cinco euros… foi um exagero, mas não tínhamos alternativa, porque se não cumpríssemos essas indicações tínhamos penalizações, que acabariam por piorar ainda mais a nossa vida. É por isso que temos de tirar lições deste processo, para não mais voltarmos a passar pelo mesmo. Digo isto para a região, como digo para o país.

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