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Recursos do “cartel” da banca. AdC e Ministério Público com alegações finais esta segunda-feira

As alegações finais do processo da Autoridade da Concorrência que ficou conhecido como cartel da banca – ainda que na decisão final a AdC não fale em cartel mas sim em prática concertada de preços na concessão de crédito – estão agendadas para cinco dias de fevereiro. As primeiras são já dia 21. A sentença da juíza deverá ser conhecida em abril.
21 Fevereiro 2022, 07h45

As alegações finais no julgamento dos recursos às coimas aplicadas aos bancos pela Autoridade da Concorrência por prática concertada de preços na concessão de crédito estão marcadas para o final do mês. O Ministério Público e a Autoridade da Concorrência e o Barclays farão as alegações finais esta segunda-feira dia 21 de fevereiro. No dia 23 será a vez do BPI, BES e Montepio. No dia 25 será o BCP o BBVA e o Crédito Agrícola, e dia 28 de fevereiro a CGD e o Santander.

A sentença da juíza Mariana Machado deverá ser conhecida em abril.

Desde dia 24 de janeiro que os representantes dos bancos estão a ser ouvidos pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, no julgamento dos recursos às coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência por prática concertada de preços na concessão de crédito. Das audições realizadas até agora verifica-se que os representantes dos bancos ouvidos  apresentam posições diferentes em relação ao grau de conhecimento que as administrações de cada um tinham relativamente à troca de informação mantida durante mais de dez anos entre os departamentos de marketing.

Na sexta-feira, foi a vez do tribunal ouvir o administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD), José João Guilherme.

Segundo relatos da imprensa José João Guilherme disse que a troca de informação em que a CGD participou durante mais de dez anos (entre 2002 e 2013) com outros concorrentes, que consistia na partilha de dados sobre crédito à habitação, ao consumo e às empresas, aconteceu à revelia das administrações da Caixa. O administrador executivo da Caixa, foi a tribunal defender que o intercâmbio de informações entre funcionários de bancos “não parece muito normal”. É o primeiro representante dos bancos ouvidos em tribunal a concordar com a Autoridade da Concorrência, pois, segundo o Expresso, disse em tribunal que “esse tipo de partilha de informação, se era feito para dentro da CGD e para fora, do ponto de vista da Caixa, seria um erro. Era o banco de maior dimensão. Só redundaria em [perda de quota]. Não estou a ver sequer grande interesse na instituição onde estou”.

O administrador que exerce funções executivas desde 2017 disse ao tribunal desconhecer se os anteriores administradores da Caixa tinham ou não conhecimento da prática de partilha de informações. José João Guilherme foi ouvido como representante legal da Caixa Geral de Depósitos, não como testemunha.

O administrador do banco “não vê qual o interesse da Caixa, enquanto maior Banco do sistema, em participar numa troca de informação que não fosse pública”.

“Se houvesse [partilha de informações] era uma prática informal entre operadores, uma troca informal de informação”, disse, admitindo que “pessoas que estejam no mesmo ramo se conheçam umas às outras e tenham conversas informais”. Depois disse que “se era feito, não era com certeza do conhecimento do conselho [de administração]”

“Se o mercado estava a atuar em colusão, não me parece”, afirmou José Guilherme no Tribunal de Santarém.

O administrador da Caixa com o pelouro do retalho, direção jurídica e internacional confessou não ter conhecimento da troca de informação em detalhe na dimensão que foi apresentada pela juíza – grelhas de spreads, volumes de crédito e cross selling entre colaboradores de vários bancos.

“A decisão de crédito, hoje, é uma decisão segregada entre quem concebe o pricing, o aplica, quem processa e quem decide. O preço tem em conta o risco e as garantias prestadas”, referiu José João Guilherme.

O administrador da CGD defendeu que a subida de spreads em 2007/2008 “está muito relacionada com a dificuldade crescente dos Bancos em se financiarem. O mercado das obrigações hipotecárias e das securitizações desapareceu, limitando os Bancos, na obtenção de liquidez, a descontar as tranches mais seniores de securitização junto do Banco Central Europeu”.

José João Guilherme referiu ainda que, “apesar dos lucros desde 2017, o somatório dos mesmos é ainda inferior ao somatório dos prejuízos 2011-2016”.

O administrador da equipa liderada por Paulo Macedo realçou que a Caixa Geral de Depósitos não é um Banco Público, mas um Banco de Capitais Públicos, sujeito às mesmas regras que os restantes operadores do sistema financeiro, dando como exemplo que, aquando da recapitalização da Caixa, esta teve que ir ao mercado levantar 500 milhões de euros. “Se não tivesse tido sucesso a injeção de fundos pelo Estado não teria ocorrido”.

Em resposta a uma questão do Procurador, José João Guilherme disse que, apesar de a Caixa operar em ambiente competitivo, “não deixa de ter preocupações sociais, dando o exemplo das franjas mais desfavorecidas entre os mais jovens e o mais velhos, do programa Caixa Social com o apoio a Instituições de Solidariedade Social e outras do terceiro sector, não ignorando o apoio à Cultura Institucionalizado na Culturgest. No comparador do Banco de Portugal a Caixa Geral de Depósitos é o Banco com as comissões mais baixas para os serviços que presta”.

 

Já foram ouvidos cinco bancos (Santander, BPI, Montepio, CGD e BCP). Alegações finais no fim do mês

Em 11 bancos, só o BPI, o Santander Totta, o BCP, a CGD e o Banco Montepio indicaram um representante para responder em tribunal. Sendo que Fernando Ulrich é o único presidente a falar em nome do banco que preside e dirigiu. Os bancos, enquanto arguidos, não são obrigados a levar um representante legal e têm direito ao silêncio, segundo noticiou o jornal Público.

A audição de representantes dos bancos começou com Manuel Preto do Banco Santander Totta. O representante legal do banco condenado ao pagamento de uma coima de 35,6 milhões de euros, admitiu em tribunal que seria “impensável hoje em dia este tipo de troca de informações”. Administrador financeiro do Santander desde 2013 e quadro do banco há quase 25 anos, Manuel Preto defendeu que o banco “não ultrapassou nenhuma linha vermelha tendo em conta o contexto da altura”.

O actual CFO do Santander Totta disse que os bancos “normalmente divulgavam a concessão de crédito à habitação e ao consumo trimestralmente” e que era “normal haver troca de informação”. “No passado era comum, não havia proibição de divulgar este tipo de informação mensal a quem perguntasse”, defendeu.

Depois foi a vez do representante do Montepio dizer ao Tribunal da Concorrência, que, apesar de ter apresentado um pedido de clemência no processo em que doze bancos foram multados por troca de informação, o Banco Montepio não cometeu qualquer ilegalidade ou irregularidade.

José Carlos Mateus, administrador executivo com o pelouro financeiro desde 2018, depôs na fase final do julgamento dos pedidos de impugnação das coimas aplicadas. Questionado pela juíza Mariana Machado e pelo Procurador da República Paulo Vieira sobre a aparente contradição entre a apresentação de um pedido de clemência, que permitiu ao banco beneficiar de uma redução da coima para metade (de 26 milhões para 13 milhões de euros), e a não assunção de qualquer censura à sua atuação, José Mateus salientou que, não tendo feito parte da administração que tomou a decisão, o seu entendimento é o de que aquela visou “colaborar da forma mais diligente e aberta possível”, segundo relatos noticiados pela Lusa.

O representante do Banco Montepio reconheceu que, após as diligências da AdC, foram adotadas medidas, dando o exemplo da maior relevância dada à área de ‘compliance’ e das alterações no Código de Conduta.

 

Presidente do BPI concorda com a troca de informações desde que não prejudique os clientes

A mais mediática das audições foi ao atual presidente do Conselho de Administração do BPI e ex-CEO do banco detido pelo CaixaBank. Segundo relatou a revista Visão, o banqueiro apresentou-se como “bancário” em tribunal onde foi ouvido como testemunha no passado dia 15.

Fernando Ulrich procurou, durante mais de duas horas, demonstrar que a informação partilhada era pública e essencial para fazer funcionar a concorrência. O presidente do BPI (o único presidente presente no julgamento) declarou-se a favor da troca de informação e da transparência, neste e noutros setores de atividade, desde que não haja infração às leis da concorrência nem que tal prejudique os consumidores.

Reconhecendo ter lido “várias centenas”, mas não a totalidade das 900 páginas da acusação da AdC, o banqueiro disse não ter encontrado uma prova de que algum consumidor tivesse sido prejudicado pelo comportamento dos bancos em matéria de crédito à habitação. “Isso não existe em lado nenhum”.

Para ilustrar o comportamento da banca, o presidente do BPI deu o exemplo dos corredores da Fórmula 1, que, se ignorarem o comportamento dos rivais, “ou se suicidam” ou circulam todos a 60 quilómetros hora, segundo relatos noticiados pela agência Lusa. “A gestão de olhos vendados que alguns procuram defender não existe”, disse Ulrich, salientando que, em todos os negócios, todas as empresas procuram saber o que os outros andam a fazer, o que só é possível ou por troca entre concorrentes ou se a informação for fornecida por uma entidade independente.

O banqueiro defendeu ainda a criação de “uma entidade independente” que recolhesse e centralizasse a informação, “com regras”, e que a tornasse pública junto de “clientes e concorrentes” – um pouco à semelhança do que a CMVM faz em relação às entidades que supervisiona (seguradoras, fundos). Essa seria uma forma de evitar aquilo que “algumas pessoas fizeram, nos bancos, para serem simpáticos para com os colegas, convencidos de que não tinha interesse nenhum”.

Para o administrador do BPI, a informação obtida pela troca de dados entre funcionários, que está em causa no processo movido pela AdC, é “útil para o mercado concorrencial”, já que reportava a dados passados ou presentes e quando se referia a futuros, como a indicação à sexta-feira dos valores de ‘spread’ que entrariam em vigor na segunda-feira seguinte, era de decisões já tomadas.

No entanto, e apesar de defender a utilidade da troca de informações, quando questionado pelo Procurador do Ministério Público, Fernando Ulrich afirmou que, após a intervenção da Autoridade da Concorrência, em 2013, que deu origem à condenação por troca de informação sensível, entre os visados, durante mais de 10 anos (de maio de 2002 a março de 2013), essa prática, que era do conhecimento da gestão do banco, cessou, não tendo voltado a existir nada do género.

As duas últimas audições aconteceram na passada sexta-feira, e para além do administrador da CGD foi também ouvido José Pessanha, administrador executivo do Millennium BCP.

O representante do BCP admitiu esta sexta-feira, no Tribunal da Concorrência, a troca de informações entre bancos, entre 2002 e 2013, mas negou que tenha havido conluio e considerou que os clientes não foram lesados. “O banco reconhece a existência destas trocas de informação”, disse José Pessanha, alegando que o BCP entendia essas práticas como “trocas dentro da área do marketing” que não visavam “informações sensíveis”.

Segundo a Lusa que assistiu às audições, o administrador executivo do BCP disse não considerar que “a troca de informação tenha tido um efeito material” nos mercados nem terá prejudicado os clientes já que estes “não apresentaram reclamações nem abriram processos” contra o banco.

José Pessanha assegurou ainda que logo que a Autoridade da Concorrência (AdC) manifestou dúvidas sobre a partilha de informações entre bancos, o BCP “deu indicações para que fosse cessada esta prática” e instituiu um Código Conduta sobre o qual foi dada formação quer aos colaboradores quer às hierarquias.

 

O que está em causa neste julgamento?

O julgamento dos recursos das coimas de 225 milhões de euros aplicadas pelo regulador da concorrência a 12 bancos por troca de informação com impacto no crédito a clientes foi iniciado a 6 de outubro de 2021 no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, e entrou na fase final no dia 24 de janeiro, com a audição de representantes das entidades bancárias.

Estão assim a ser julgados os pedidos de impugnação das coimas aplicadas, em setembro de 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC), apresentados por 11 bancos.

O processo, que inicialmente visava 14 entidades bancárias, teve origem num requerimento de dispensa ou redução de coima apresentado pelo Barclays, o qual veio a beneficiar de clemência, sendo que, ainda na fase administrativa, foi declarada prescrição do procedimento contraordenacional da Abanca.

Recorde-se que a CGD foi condenada ao pagamento de 82 milhões de euros, o BCP de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, a Banco Montepio em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o BBVA em 2,5 milhões, o BES em 700 mil euros, o Banco BIC em 500 mil euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Crédito Agrícola em 350 mil euros cada um, a Union de Créditos Inmobiliarios em 150 mil euros e o Banif em mil euros.

O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa.

É de lembrar que o Santander sofreu duas coimas, uma delas relativa ao Banco Popular, banco que integrou, mas não ficou com as coimas do Banif. O BES – em liquidação ficou com a sanção, ainda que o negócio comercial tenha transitado para o Novo Banco na resolução, em 2014.

Em 9 de setembro de 2019 foi tornado público que a Autoridade da Concorrência multou 14 bancos em 225 milhões de euros por prática concertada de preços na concessão de crédito, que na gíria se chama “cartel da banca”, apesar de não haver a acusação de cartel.

“Os bancos condenados são o BBVA, o BIC (por factos praticados pelo então BPN), o BPI, o BCP, o BES, o Banif, o Barclays, a CGD, a Caixa de Crédito Agrícola, o Montepio, o Santander (por factos por si praticados e por factos praticados pelo Banco Popular), o Deutsche Bank e a UCI”, dizia a AdC em comunicado.

As prática concertada durou mais de dez anos, entre 2002 e 2013, com os bancos a trocarem informação sensível referente à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas.

“Neste esquema, cada banco facultava aos demais, informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, indicando, por exemplo, os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior, dados que, de outro modo, não seriam acessíveis aos concorrentes”, segundo o comunicado da AdC em 2019.

Desta forma, os bancos envolvidos sabiam “com particular detalhe, rigor e atualidade” os produtos oferecidos pelos outros bancos, o que desencorajava “os bancos visados de oferecerem melhores condições aos clientes, eliminado a pressão concorrencial, benéfica para os consumidores”.

A AdC considerou que “intercâmbio de informações sensíveis constitui uma prática anticoncorrencial por permitir às empresas tomarem conhecimento das estratégias de mercado dos seus concorrentes ou anteciparem a conduta daqueles”.

Esta situação facilitou o “o alinhamento dos respetivos comportamentos no mercado, assim impedindo os consumidores de beneficiarem do grau de concorrência que existiria na ausência de tal intercâmbio”.

O montante das coimas aplicadas – que a AdC não pode discriminar individualmente – foi determinado tendo em conta a gravidade e duração da participação na infração por cada banco visado.

 

https://jornaleconomico.pt/noticias/autoridade-da-concorrencia-multa-14-bancos-e-225-milhoes-por-pratica-concertada-de-precos-na-concessao-de-credito-487880

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