Cavaco Silva publicou todos os seus discursos de nove anos enquanto Presidente da República (PR) nos “Roteiros”. Agora passou a escrito a sua visão da política nacional a partir do Palácio de Belém, nos dois volumes de “Quinta-feira e outros dias”. Nesses dois exercícios, de milhares de páginas, percebe-se como o antigo PR  ficou refém do escândalo do BPN: nem uma palavra!

É terrível para a Democracia verificar como Cavaco Silva ficou amordaçado pelas mais-valias das 255.018 ações que em 2001 comprou (com a filha) ao preço de um euro e que em menos de dois anos lhe valeram 350 mil euros de lucro; um negócio complementar à construção da sua antiga casa de férias na Quinta da Coelha, hoje residência principal, onde é vizinho de Oliveira e Costa e de alguns outros administradores  e acionistas de referência do então BPN, como Fernando Fantasia, por acaso este o construtor civil que lhe permutou a velha casa anterior, em Boliqueime, pela nova ao mesmo preço patrimonial. É ver as fotos.

Não penso isto só agora. Há oito anos, em agosto de 2011, escrevi, num outro órgão de comunicação social, um texto sobre o BPN ao qual dei o título de “Um roubo ainda sem ladrões”. Nele já lamentava o silêncio de Cavaco até então. Este segundo título das memórias políticas do ex-PR apenas confirma que será mais fácil um dia arrancar um sorriso a Cavaco do que ouvir-lhe uma palavra sobre o escândalo que sorveu cerca de cinco mil milhões de euros aos contribuintes portugueses.

E este roubo no BPN, cometido pela sua família política, teve como consequência calá-lo depois para as consequências de uma nacionalização, conduzida pelo pessoal de José Sócrates, que também tem muito que se lhe diga. E, por tudo isso, nunca se ouviu igualmente Cavaco Silva numa apreciação generalizada ao descontrolo da banca portuguesa, ao custo de mais de 15 mil milhões de euros a que ainda se continuam a somar anualmente verbas para todos os “veículos” criados pela desgraça de uma atuação criminosa e incompetente de muitos homens que continuem a ser a prova de como a Justiça tem muito a melhorar, mas não no sentido que querem demasiados políticos e os seus megafones instalados nas tribunas do regime.

Que não fiquem dúvidas: ao contrário de alguns personagens, que dizem não gostar de memórias com a mesma facilidade com que mais tarde dirão o contrário, eu acho importante conhecermos a visão de políticos que, como Cavaco Silva, tenham tido o privilégio de viver por dentro as decisões que foram construindo a História do País. Além do mais, este ex-PR não é um homem qualquer. Por muito que isso possa agora parecer estranho, e irrite a esquerda e a extrema-esquerda, nunca os portugueses confiaram tanto num político quanto em Cavaco Silva. Deram-lhe duas maiorias para governar e dois mandatos para representar a República. Nenhum outro homem por cá pode presumir de tanto.

Volto à banca. Depois do BPN também já houve o  BPP. O BES faliu em 2014 e o Banif em 2015. Em 2017, foi a vez de a CGD receber ajuda para não ir ao tapete. E sobre isto nunca se ouviu Cavaco Silva. No que respeita aos bancos e ao sorvedouro que tem sido para as finanças do país, Cavaco Silva tornou-se uma múmia. É uma pena. E será, quero acreditar, porque não gosto de ser injusto, uma tragédia pessoal. Ele sabe a figura que faz.