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Regresso à guerrilha e à internet

Depois da derrota militar no terreno, o ISIS retira. Os analistas consideram que vai refugiar-se na guerrilha, no terrorismo e na internet, o maior de todos os terrenos. E não sabemos ainda como o enfrentar.
  • Bassam Khabieh/Reuters
16 Dezembro 2017, 10h30

Em 2017, o grupo religioso sunita jiadista ISIS, acrónimo em inglês de Estado Islâmico do Iraque e da Síria – ou Daesh, o acrónimo em árabe –, quase acabou. No seu apogeu, em 2014, ano em que decidiu anunciar o renascer do califado, dominava cerca de 100 quilómetros quadrados de território, especialmente na Síria e no Iraque – uma área idêntica à da Bulgária e maior do que o território de Portugal. No início deste ano, estava reduzido a metade, a uma área da dimensão do território ocupado pela Dinamarca, a Holanda ou a Suíça. Hoje, perdeu a sua capital, a cidade síria de Raqqa, e perdeu Mossul, a terceira maior cidade iraquiana e um símbolo, porque foi ali que o líder do ISIS Abu Bakr al-Baghdadi se anunciou como califa. Al-Baghdadi também foi morto e não foi substituído. Apontado como militarmente vencido por uma coligação largada de forças, com o intitulado califa morto, o ISIS está em retirada. Os analistas ouvidos pelo Jornal Económico dizem que vai entrincheirar-se na guerra de guerrilha, no terrorismo e na internet, o maior território de todos e onde demonstrou ser poderoso.

O fundador do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) e presidente do seu conselho consultivo, José Manuel Anes, diz ao Jornal Económico que o ISIS traz dentro de si a semente da sua destruição: “Estão, desde o começo, enterrados numa grande contradição interna: estão a fazer a construção de um Estado, de um proto-Estado – o que exige racionalidade, competência, etc. –, mas, ao mesmo tempo, têm uma ideologia apocalíptica, daquele jiadismo fanático”, que é incompatível com a edificação de uma organização.

Assim, por um lado, desbaratam a o sistema organizativo que trouxeram do Iraque, que lhes permitiu controlar o território e ter um exército; por outro, abrem frentes de batalha umas a seguir às outras e criam todos os inimigos. No final, resta uma capacidade que também é uma herança do Iraque de Saddam Hussein: a guerra da informação, que beneficiou do conhecimento “dos oficiais de ação psicológica de Saddam, mas depois com uma transformação no sentido do jiadismo apocalíptico”, diz Anes, que conta um episódio: “O primeiro-ministro do Iraque foi a França, fez agora um ano, em novembro, para pedir auxílio militar e político. Depois, veio cá fora e deu uma entrevista rápida, em que disse: cuidado, nós precisamos muito de apoio contra a propaganda do Estado Islâmico, que é poderosíssima”. E é aqui, que tudo regressa.

A internet como ferramenta constante de guerra

“O ISIS não vai recuar para a internet, depois de perder o controlo das suas posições urbanas no Iraque e na Síria”, diz ao Jornal Económico Kamran Bokhari, analista sénior da Geopolitical Futures, organização especializada em informação e geopolítica. Bokhari considera que não se trata de um regresso, porque o ISIS nunca deixou o ciberespaço. “A Internet tem sido uma arena para as operações psicológicas do movimento, que tem uma divisão separada sobre propaganda via web”, aponta.

Opinião idêntica tem Alice Lacoye-Mateus, portuguesa especialista em informação, que trabalha com a francesa Ecole de Guerre Economique. Explica que “o know-how informacional [do ISIS] não é espontâneo”, mas resulta de uma importação de quadros do antigo exército iraquiano, de jiadistas tchetchenos que combateram a Rússia e também de especialistas ocidentais.

“A Internet era usada por Daesh, no tempo do califado, com objectivos operacionais/logísticos, de recrutamento e de guerra psicológica”, diz Alice Lacoye-Mateus. “A perda de território implica perda de recursos e de rotas, sendo o ciberespaço usado para compensar estas perdas”, acrescenta.

Perdendo militarmente, o ISIS centrar-se-á na internet, mas operacionalmente, no mundo real, não desaparece, até porque continua a controlar território no Iémen, Afeganistão, Líbia ou Egipto; e tem organizações vassalas, como o Boko Haram, na Nigéria, e células na Argélia, Paquistão, Filipinas ou Arábia Saudita.

“[O ISIS] retornou aos seus santuários rurais na Síria e no Iraque e voltou ao estágio da insurgência, concentrando-se mais no terrorismo urbano”, diz Kamran Bokhari.

“Os esforços no ciberespaço são uma adição à presença física, como o ISIS faz desde 2014”, aponta ao Jornal Económico Scott Stewart, vice-presidente de Análise Tática plataforma de inteligência geopolítica Stratfor. “Não os considero mortos no mundo real, mas simplesmente em mudança, de manter e governar um território para operações insurgentes”, diz.

Alice Mateus reforça esta ideia. “O Daesh caracterizava-se pela escolha de uma estratégia retórica baseada na existência concreta de um alegado califado. Nesta perspetiva, o tempo jogava contra o Daesh, obrigado, como um Estado, em justificar da sua capacidade de governar e assegurar a estabilidade de um território”, diz, acrescentando que a guerra de informação servia este propósito. Agora, com a guerra perdida no terreno, tudo muda: “O Daesh passa de uma lógica político-militar para uma lógica quase unicamente terrorista”, diz.

Como enfrentar a ciberameaça

A questão é saber se os países que fizeram frente ao ISIS no teatro de guerra aprenderam, com o tempo, a combater a organização fundamentalista também neste espaço. José Manuel Anes diz que a máquina de propaganda poderosa com a ideologia apocalíptica. “Mesmo sem território, a propaganda do Estado Islâmico vai continuar e vai recrutar”, avisa.

Scott Stewart diz ao Jornal Económico que o mundo ocidental aprendeu, parcialmente, a “bloquear alguns canais de social media”, mas considera que “não tem a capacidade para contrariar a ideologia [do ISIS]”.

“Essa é a verdadeira batalha agora, e até que a ideologia seja destruída ou desacreditada, eles continuarão a conquistar novos convertidos nos mundos físico e cibernético”, afirma.

No relatório publicado pela Escola de Guerra Económica de Paris sobre se a França pode vencer o ISIS na guerra da informação, é sublinhado o “caracter crucial da guerra de informação na estratégia de Daesh e o seu know-how”, diz Alice Lacoye-Mateus. “E possível que o Daesh sobreviva e se mantenha ativo usando as suas capacidades informacionais, mas é igualmente possível que não sobreviva usando somente o ciberespaço. A questão será determinada pela capacidade ofensiva informacional dos seus inimigos, se estes perceberem o momento de vulnerabilidade informacional no qual a organização se encontra e souberem explorá-lo”, assevera.

Kamran Bokhari considera que ainda estamos “nas fases de aprendizagem da contra-mensagem”, mas aponta uma questão essencial para enfrentar a ameaça: “O problema-chave é que não existe uma narrativa alternativa efetiva àquelas que os extremistas islâmicos e os radicais se espalham”.

Ou seja, a guerra não terminou, continua.

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