O Eurogrupo é a cereja no topo do bolo das múltiplas falhas de construção do projecto europeu. Este clube informal não existe na legislação europeia, não tem regulamentos escritos ou actas públicas, mas é dali que são emanadas as decisões que mais impacto têm na vida dos cidadãos da zona euro. Foi dali que saíram algumas das mais graves imposições económicas à Grécia e a Portugal, nos programas de assistência.

Mas é um erro deixar que este sentimento de rejeição se sobreponha ao potencial de mudança que Centeno poderia levar ao Eurogrupo – e, por arrastamento, ao que é imposto todos os anos aos Estados-membros da zona euro, em política orçamental. A esquerda não pode passar a vida a apontar os espartilhos europeus como a principal fonte dos problemas económicos de Portugal e depois rejeitar um passo que contribui para aliviar essas restrições.

Argumenta-se que o ministro tem pouco peso político e que passaria a ser porta-voz dos Estados-membros mais poderosos. A capacidade negocial que o ministro revelou no último ano, ao lidar de forma bem-sucedida com a tecnocracia da Comissão Europeia, deixa antever que não seria necessariamente assim. O ministro faz parte de um grupo de ministros das finanças europeus que tem vindo a exigir, em público e nas reuniões em Bruxelas, mudanças na forma de calcular o défice estrutural e o esforço orçamental a que os países são obrigados. Tem vindo a contestar regras cegas que obrigam a esforços contraproducentes e irrealistas nas contas públicas. E seria este o caminho que poderia prosseguir com maior eficácia, caso fosse para o Eurogrupo e ali encontrasse aliados em Espanha, Itália e França. Poderia usar o sucesso da política económica portuguesa como argumento de autoridade. Poderia tentar reformar o pensamento europeu por dentro, à imagem do que alguns responsáveis europeus estão a fazer – já se perdeu a conta às vezes que Moscovici fechou os olhos a violações dos tratados.

Quem teme que Centeno seja engolido pelos falcões europeus parece ignorar algo que, de facto, passou despercebido ao país, no último ano. Quando o ministro era troçado pelos profetas da desgraça cá da casa, na Europa ia construindo uma reputação sólida. Doutorado em Harvard e com uma proeminente carreira de investigação no Banco de Portugal, tem um currículo que a burocracia europeia respeita. Basta comparar: Jeroen Dijsselbloem, que está de saída, estudou economia agrícola. Provavelmente sabe mais sobre plantações de flores do que sobre contas públicas. Aos argumentos académicos, o português alia o capital político de ter um país a crescer e um défice a descer ao mesmo tempo que reverte algumas das medidas que supostamente não tinham alternativa, ao mesmo tempo que rejeita a devoção cega ao Pacto de Estabilidade. E, como bem lembrou Stiglitz, o ministro poderia levar ao Eurogrupo uma visão mais forte da diversidade dos países da zona euro. No mínimo, serviria como travão às ideias mais perigosas dos homólogos europeus.

Há certamente o risco de Centeno conseguir pouco ou nada para mudar a união monetária – basta pensar que Juncker, que quer agora virar a página da austeridade, estava à frente do Eurogrupo quando foram decididas as enormidades económicas da Grécia e de Portugal. Mas não tentar sequer mudá-la seria incompreensível.