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Relatório do Banco de Portugal afasta risco de uma bolha imobiliária rebentar no balanço dos bancos

Saiu o Relatório de Estabilidade Financeira onde o Banco de Portugal alerta para vulnerabilidades e riscos da banca. Uma das mensagem é a necessidade crucial de prosseguir o esforço de redução da dívida pública, assente no reforço do caráter estrutural da consolidação orçamental, e o esforço de desalavancagem das famílias e das empresas em Portugal, tirando partido do enquadramento macroeconómico e financeiro favorável.
6 Dezembro 2017, 13h23

O Banco de Portugal publicou hoje o Relatório de Estabilidade Financeira de dezembro de 2017. O destaque vai para o facto do endividamento da economia ser um entrave ao investimento, pois as empresas mais endividadas são as que investem menos, pelo que a instituição chama a atenção para a necessidade de vencer o desafio da capitalização das empresas.
“A poupança das empresas contribuiu significativamente nos últimos anos para o financiamento do investimento empresarial”, lê-se na apresentação do Relatório. Para o conjunto das empresas privadas com dívida financeira verifica-se que o maior crescimento do investimento entre 2013 e 2015 ocorreu em empresas com menor nível de endividamento.

Outro destaque vai para facto de não haver uma bolha imobiliária em risco de rebentar no balanço dos bancos. “O crescimento dos preços da habitação não está sincronizado com o ciclo de crédito”, lê-se no documento. Não só porque os preços dos imóveis ainda não ultrapassaram os níveis de antes da crise, mas mais importante do que isso, porque não há uma correspondência entre a subida do imobiliário e o correspondente financiamento bancário. Portanto não são os bancos a financiar esse boom do imobiliário, e como tal os alarmes ainda não tocaram nos controlos do Banco de Portugal. Mas o regulador tem estado atento, e pode vir a exigir aos bancos que incluam na taxa de esforço implícita na concessão de crédito à habitação um choque standard de cenário de subida dos juros.

“A análise realizada permite concluir pela não existência de sobrevalorização dos preços da habitação em Portugal”, diz o documento Banco de Portugal.

“As atuais dinâmicas do crédito e da economia não comprometem a redução do ainda elevado rácio de endividamento dos particulares e não promovem a acumulação de risco excessivo no balanço dos bancos e a excessiva alocação de recursos no setor imobiliário”, diz o Relatório.

Entre o final de 2013 e o primeiro semestre de 2017 os preços do imobiliário residencial cresceram cerca de 20% em termos reais, a nível nacional, retomando o nível de 2009. Há uma evidência de que os preços da habitação a nível nacional se encontram próximos dos níveis justificados pelos fundamentos económicos. “Não é possível afastar a possibilidade de apreciação excessiva nos grandes centros urbanos”, diz o BdP. No entanto, “em junho de 2017, os fluxos de novo crédito à habitação mantiveram uma dinâmica de forte crescimento (cerca de 40% em termos homólogos) e começam a apresentar um maior peso nas transações de alojamentos familiares, face a anos anteriores. Porém, o stock de crédito à habitação continuou a cair embora a um menor ritmo”, lê-se no documento.

No que toca às empresas e setor da construção, é dito que o crédito à construção ainda está a cair, e apesar de o crédito à atividade imobiliária ainda estar a recuperar, essa recuperação ainda é limitada.

Outro dos factores que se destaca é o facto de o Banco de Portugal reconhecer a redução dos NPL (créditos problemáticos, vencidos ou em risco de virem a ser), mas de ainda ser um stock elevado, na comparação com a Europa e portanto ser um imperativo os bancos continuarem a reduzir o malparado. Os bancos têm vindo a fazer write-offs da carteira (imparidade a 100%) e a vender carteiras de NPL e deverão continuar.

Relatório de Estabilização Financeira o que diz?

Os temas em destaque no Relatório de Estabilidade Financeira são três:  “A estratégia para lidar com o stock de non-performing loans (NPL)”; “A segmentação do risco nos spreads dos novos empréstimos a sociedades não financeiras”; e o “Rácio de alavancagem dos bancos – o caso português”.

Dentro destes tema é abordada a redução da alavancagem e o investimento das sociedades não financeiras em Portugal; a vulnerabilidade das empresas portuguesas à subida da taxa de juro de curto prazo; os imóveis recebidos em dação no balanço do setor bancário; a vulnerabilidade financeira das famílias portuguesas e a evolução dos preços da habitação em Portugal e implicações para a estabilidade financeira.

O Banco de Portugal refere que a economia portuguesa e o sistema financeiro têm registado progressos relevantes nos últimos anos. Em 2017, um conjunto de desenvolvimentos positivos contribuiu para a consolidação da estabilização do setor bancário, com destaque para o alargamento da maturidade dos empréstimos ao Fundo de Resolução, os aumentos de capital realizados por alguns dos principais bancos a operar em Portugal e a conclusão da venda do Novo Banco.

Ao nível das vulnerabilidades e riscos, é apontada como uma das principais vulnerabilidades da economia portuguesa o elevado endividamento das administrações públicas, dos particulares e das sociedades não financeiras, que continua em níveis acima dos registados para a área do euro. “O elevado endividamento, conjugado com baixo crescimento potencial, torna a economia portuguesa mais vulnerável a choques adversos, nomeadamente num contexto em que se prevê o início do processo de normalização da política monetária”, refere a nota de imprensa. “É, por conseguinte, crucial prosseguir o esforço de redução da dívida pública, assente no reforço do caráter estrutural da consolidação orçamental, e o esforço de desalavancagem das famílias e das empresas em Portugal, tirando partido do enquadramento macroeconómico e financeiro favorável”, salienta a instituição liderada por Carlos Costa.

Ao nível do setor bancário, “verificaram-se melhorias significativas nos rácios de créditos não produtivos (NPL) e de cobertura no segmento de sociedades não financeiras, embora persistam posições muito heterogéneas entre bancos”, refere o BdP. “Globalmente, entre junho de 2016 e junho de 2017, observou-se uma diminuição de cerca de 8 mil milhões de euros de NPL, dos quais cerca de 6 mil milhões referentes a empresas não financeiras. Porém, apesar das melhorias recentes no reforço da solvabilidade, na redução do stock de NPL e na perceção dos mercados face aos bancos portugueses, o setor financeiro também continua a apresentar vulnerabilidades. A redução do stock de NPL, que ainda permanece elevado, exige que as medidas incluídas na estratégia abrangente continuem a ser adotadas”, alerta o regulador bancário.

O rácio de NPL reduziu-se para 15,5 % face a 17,9% (no universo das empresas não financeiras passou de 30,3% para 27,5%); o rácio de cobertura por imparidade aumentou de 43% para 46%, refletindo sobretudo os progressos no segmento do crédito às empresas (neste segmento passou de 46,4% para 49,2%).

A redução do elevado stock de malparado (NPL) exige uma estratégia abrangente, que envolve a atuação em diferentes áreas e a coordenação entre as várias entidades envolvidas. A nível nacional, a estratégia de redução de ativos não produtivos assenta primordialmente em três pilares que são complementares entre si, diz o Banco de Portugal. A saber: a revisão do enquadramento legal, judicial e fiscal; as  ações de supervisão microprudencial, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão e gestão dos portfólios de NPL, incluindo possíveis medidas sistémicas.

É no âmbito desta estratégia que surge a Plataforma de Gestão Integrada de Créditos Bancários, que foi assinada entre a CGD, BCP e Novo Banco (e que deverá entrar em funcionamento no próximo ano), tendo por objetivo a gestão integrada de créditos concedidos a empresas que sejam devedoras de vários bancos. “Embora não gerando uma diminuição significativa do nível de NPL no sistema no curto prazo, uma vez que não envolve uma transferência de ativos para fora do balanço dos bancos, a plataforma deverá contribuir para o esforço global de redução de NPL, na medida em que visa “aumentar a eficácia e celeridade nos processos de reestruturação dos créditos e das empresas”, diz o BdP.

A melhoria recente da solvabilidade dos principais bancos portugueses, a recuperação da economia
portuguesa e dos preços do imobiliário, criam um contexto mais propício para a redução do nível de NPL no balanço dos bancos.

“A evidência disponível não aponta para uma diminuição da diferenciação do risco no pricing dos
novos empréstimos bancários a empresas não financeiras. No entanto, o atual contexto de recuperação económica, de concorrência acrescida entre os bancos e de subida dos preços do imobiliário, aconselha uma monitorização atenta do pricing dos novos empréstimos a empresas”, diz o Relatório que acrescenta que se tem assistido nos anos mais recentes a práticas menos restritivas na concessão de crédito à habitação e a um forte crescimento do crédito ao consumo, num contexto de subida dos preços do imobiliário, de recuperação económica e de maior concorrência entre os bancos”.

A este nível o Banco de Portugal pondera a adoção de medidas “tendo em vista o reforço da avaliação da capacidade creditícia dos mutuários particulares pelas instituições”. Mas segundo sabe o Jornal Económico, não são medidas ao nível do capital, mas sim ao nível das práticas de avaliação dos devedores. Por exemplo a possibilidade de introduzir um fator de subida dos juros no cálculo da taxa de esforço que os clientes podem suportar num crédito.

“É fundamental que as instituições financeiras continuem a avaliar adequadamente e de forma prospetiva a capacidade de crédito dos mutuários, evitando a assunção de riscos excessivos nos novos fluxos de crédito, nomeadamente no crédito à habitação”, lê-se no documento.

O Relatório diz que “importa, em particular, prosseguir a atual trajetória de redução de créditos improdutivos (NPL), de acordo com os planos acordados com o Mecanismo Único de Supervisão e o Banco de Portugal, em especial dada a necessidade de aceder aos mercados financeiros internacionais para dar cumprimento aos requisitos regulamentares, incluindo aos requisitos mínimos de passivos suscetíveis de absorver perdas em caso de resolução (MREL)”.

Neste ponto é de salientar que o Mecanismo Único de Supervisão vai permitir um período transitório para a emissão destas obrigações (títulos de dívida de alto risco para absorver perdas em caso de bail-in) em mercado, para que este não fique inundado de emissões em toda a Europa.

Ao nível da política macroprudencial, e para garantir que o sistema financeiro português mantém uma adequada capacidade de absorção de choques, sem comprometer o financiamento da economia, o Banco de Portugal manteve o faseamento definido na regulação europeia para a taxa de reserva de conservação de fundos próprios; manteve a reserva contracíclica em 0% do montante total das exposições em risco no quarto trimestre de 2017 (o que se explica pelo facto de em Portugal o rácio de crédito sobre o PIB continuar abaixo da sua tendência de longo prazo); e determinou a taxa de reserva aplicável a um conjunto de instituições que identificou como “outras instituições de importância sistémica” (OSII), estendendo por mais dois anos o prazo definido para o cumprimento dos níveis de reserva.

“A baixa rendibilidade do setor e a sua elevada exposição ao soberano, ao setor imobiliário e a economias emergentes com fraco desempenho económico constituem outras vulnerabilidades que podem contribuir para a materialização dos riscos que se colocam à estabilidade financeira”, salienta o BdP.

O Relatório destaca que o ajustamento das estruturas de custos dos bancos é, em alguns casos, ainda insuficiente face à evolução do rendimento. Este ajustamento implica custos temporários no curto/médio prazo (investimento inerente à transição tecnológica e ao ajustamento dos quadros de pessoal).

O modelo de negócio dos bancos está já a ser desafiado pela inovação tecnológica e por alterações do enquadramento legal. Concorrência emergente de novas empresas especializadas na prestação de serviços financeiros por via digital (Fintech). Nesta altura ainda estão sobretudo focadas no segmento dos sistemas de pagamento, mas brevemente competirão com os bancos noutras áreas.

O BdP dá como exemplo a entrada em vigor da nova diretiva relativa aos sistemas de pagamento no mercado interno da União Europeia (janeiro 2018) que permitirá que prestadores de serviços sem licença bancária possam fornecer serviços de pagamento específicos, através de aplicações informáticas dedicadas. “Embora colocando um desafio à atividade de intermediação financeira tradicional, constitui igualmente um estímulo à implementação das novas tecnologias de informação na atividade bancária”, refere o regulador bancário.

De entre os riscos apontados pelo Relatório, destaca-se ainda a possibilidade de os prémios de risco a nível global serem reavaliados em resultado de desenvolvimentos geopolíticos, dificultando o acesso a financiamento por parte dos agentes económicos mais endividados. “O ambiente prolongado de baixas taxas de juro deverá, por outro lado, continuar a pressionar a margem financeira e a rendibilidade do setor bancário nacional, mas, adicionalmente, cria incentivos para uma menor restritividade na concessão de crédito e, por consequência, uma desalavancagem da economia mais lenta do que o desejável”, lê-se no documento.

O Banco de Portugal salienta o facto de termos ainda uma União bancária incompleta. “É assim essencial garantir um alinhamento total entre quem tem a capacidade de tomar decisões e quem tem a responsabilidade de garantir a estabilidade financeira”, refere a instituição.

(atualizada)

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