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Rendas excessivas: Salgado remete-se ao silêncio após divulgação de vídeos de interrogatórios

Ex-banqueiro recusou prestar declarações no inquérito que investiga as chamadas rendas excessivas depois da divulgação de imagens do interrogatório a Salgado na ‘Operação Marquês’. Justiça queria ouvir ex-banqueiro sobre uma alegada avença mensal de 15 mil euros do GES a Manuel Pinho enquanto era governante no processo que investiga suspeitas de corrupção face a pagamentos de eventuais favores ao antigo dono do BES e à EDP, onde o banco de Ricardo Salgado era accionista.
  • Rafael Marchante/Reuters
3 Outubro 2018, 07h45

O ex-presidente do BES esteve nesta terça-feira, 2 de outubro, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), em Lisboa para ser interrogado no âmbito do inquérito que investiga a concessão dos alegados benefícios ilegítimos à principal elétrica nacional. Mas Ricardo Salgado, que esteve menos de uma hora dentro edifício, decidiu não prestar declarações atendendo ao historial recente da forma como foram utilizados  os vídeos dos interrogatórios da ‘Operação Marquês’, onde Salgado também é arguido, e acabou por ver divulgadas as imagens do seu interrogatório por alguns órgãos de comunicação social.

O Jornal Económico sabe que este foi o argumento invocado pela defesa do ex-banqueiro ao procurador titular do processo, Carlos Casimiro, tendo Salgado exercido, pela primeira, vez o direito de ficar em silêncio enquanto arguido no processo. Confrontado com esta informação, Adriano Squilacce, um dos advogados de Ricardo Salgado, recusou fazer qualquer comentário.

Na base da decisão de Ricardo Salgado em se remeter ao silêncio esteve a divulgação de imagens dos interrogatórios na ‘Operação Marquês’ que envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates e o ex-presidente do BES não quer arriscar novamente a ver os seus esclarecimentos descontextualizados e a sua imagem a ser usada publicamente. Um episódio que levou, em abril deste ano, a defesa de Ricardo Salgado a requerer ao DCIAP a abertura de um processo-crime. O Ministério Público acabou por anunciar a abertura de um inquérito para investigar a divulgação dos interrogatórios, considerando que a divulgação “está proibida”.

Alguns órgãos de comunicação social à transmitiram a gravação audiovisual do interrogatório (a Ricardo Salgado, a José Sócrates e a Carlos Santos Silva, entre outros) ) no âmbito da ‘Operação Marquês’ e do inquérito à queda do chamado “Universo BES”, onde surge o antigo banqueiro do Banco Espírito Santo.

No requerimento, os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce lembraram que a divulgação da gravação audiovisual do interrogatório pelas estações televisivas SIC e Correio da Manhã (e pelo jornal), e pela revista Sábado, é proibido por lei, a não ser que haja uma autorização expressa, acrescentando que nunca foi autorizada a divulgação pública do interrogatório.

Ontem, à saída, o antigo banqueiro não falou aos jornalistas e o seu advogado também não adiantou nada do que se passou no interior do DCIAP. A Procuradoria-Geral da República confirmou posteriormente que a diligência se realizou, mas que Salgado “optou por não prestar declarações em relação aos factos que lhe foram imputados”.

Já à entrada para o interrogatório, Ricardo Salgado tinha reafirmado “absolutamente” a sua inocência no âmbito do inquérito ao chamado caso das rendas excessivas, onde o antigo presidente do BES foi constituído arguido em abril deste ano, por suspeitas do crime de corrupção, na sequência de pagamentos feitos pelo Grupo Espírito Santo (GES) a Manuel Pinho quando este era ministro da Economia.

Salgado é suspeito de ter corrompido o ex-ministro Manuel Pinho. Em causa está uma alegada avença mensal de 15 mil euros do GES a Pinho enquanto era governante. Este é um dos pontos que os investigadores do DCIAP queriam esclarecer junto do ex-banqueiro no âmbito do caso EDP, sobre o alegado favorecimento pelo Governo da elétrica nacional nos contratos para venda de eletricidade (CMEC).

O antigo presidente do BES tornou-se, em abril deste ano, arguido na investigação que diz respeito a suspeitas de benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos à principal eléctrica nacional por parte de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do Governo de José Sócrates. Salgado, segundo o Ministério Público, terá ordenado uma transferência de perto de 800 mil euros para uma offshore de Manuel Pinho quando este ainda estava em funções e deu luz verde aos chamados CMEC que foram criadas para compensar a EDP pelo fim dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE).

O Ministério Público descobriu, já este ano, novos factos, no processo  que investiga o Universo Espírito Santo,  que  passam  por transferências para  offshores que pertencem a Pinho, num montante da ordem dos 3,5 milhões de euros. Deste valor – que tem origem na  Espírito Santo Enterprises, offshore com ligações ao banco português, e que costuma ser designada como o ‘saco azul’ do GES ,  o  ex-governante recebeu um total de cerca 1,8 milhões de euros através de duas offshores para onde eram transferidos mensalmente de cerca de 15 mil euros entre julho de 2002 e junho de 2012.

Só no período em que Manuel Pinho foi ministro da Economia, entre março de 2005 e julho de 2009, terão chegado às suas contas, via Mesete II e via Tartaruga Foundation, mais de 793 mil euros.

A investigação acredita que se trata de pagamentos de eventuais favores feitos pelo ex-ministro ao antigo dono do BES e à EDP, onde o banco de Ricardo Salgado era acionista minoritário. Salgado é suspeito de ter tomado um conjunto de decisões em termos de legislação de produção e venda de electricidade que terão beneficiado a eléctrica nacional num total de cerca de 1,2 mil milhões de euros, onde o BES chegou a deter 3% do capital, usufruindo desses supostos benefícios enquanto accionista da empresa de electricidade.

Em abril, a defesa de Salgado garantiu que “é falsa e despropositada a tese agora fabricada pelo Ministério Público” de que o ex-banqueiro “teria participado num suposto ato de corrupção” de Manuel Pinho, “em benefício do GES e da EDP”.

Salgado é já arguido em três outros casos: Monte Branco, Universo Espírito Santo e Operação Marquês.

Compra de casa ao GES por empresa de Pinho

Na mira da Justiça está ainda a Pilar Jardim — Gestão Imobiliária,  empresa criada por Manuel  Pinho e pela sua mulher, Alexandra Fonseca (gestora da sociedade), para adquirir o prédio com os números 66/68 da rua Saraiva de Carvalho, em Lisboa, a um fundo de investimento do GES por 789 mil euros. Segundo o Observador, o negócio foi realizado 12 dias depois de Pinho ter tomado posse em 2005 como ministro da Economia do Governo de Sócrates. O casal viria a ter um ganho bruto  superior a 4,8 milhões de euros com a reconstrução e revenda das diversas frações.

A PJ está a passar a pente fino os movimentos financeiros, entre 2007 e 2014, para apurar se houve recebimento indevido de vantagem em dinheiro ou património.

Os tipos de crimes sob suspeita

As suspeitas do Ministério Público incidem sobre corrupção ativa e corrupção passiva e participação económica em negócio, num processo que investiga também a criação de um curso sobre energias renováveis na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, alegadamente pago pela EDP e lecionado pelo ex-ministro da Economia, Manuel Pinho.

O MP pretende apurar se o patrocínio da EDP a Columbia para financiar um curso de energias renováveis, em que Manuel Pinho deu aulas, configura uma contrapartida pelos alegados benefícios que a EDP terá conseguido com a passagem dos CAE a CMEC  e com o alargamento das concessões das suas barragens em 2007.

As autoridades estimam que a elétrica tenha sido beneficiada em mais de mil milhões de euros e que só em CMEC esse benefício tenha ascendido a 475 milhões de euros.

Após as buscas no verão do ano passado, que levaram à constituição de vários arguidos (entre os quais António Mexia, presidente a EDP; João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis e o ex-presidente da REN Rui Cartaxo), a investigação assumiu já este ano novos contornos com a descoberta de novos factos.

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