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Advogada sul-africana: “Senti-me manipulada por João Rendeiro. Pensou que seria boa ideia um acordo ilegal” (com áudio)

June Marks revela a vida na prisão do antigo banqueiro e afasta a hipótese de homicídio, recordando que Rendeiro mantinha boas relações com vários colegas de cela, incluindo com prisioneiros moçambicanos. A advogada diz que Rendeiro só lhe queria pagar, se fosse libertado. E que a quantia equivalia ao salário mínimo do país.
18 Maio 2022, 06h45

A advogada de João Rendeiro revela que se sentiu “manipulada” pelo antigo banqueiro e que numa carreira de várias décadas nunca nenhum cliente lhe tinha proposto um acordo em que só seria paga se saísse em liberdade.

Em conversa com o Jornal Económico, June Marks disse que se sentiu “muito manipulada, abusada, tudo o que se possa lembrar”.

Questionada se algum cliente já lhe tinha oferecido um acordo semelhante durante a sua carreira, a advogada é perentória: “não, é completamente ilegal. Ele dizia que era partilha de risco, que íamos os dois partilhar o risco”.

Em relação à sua morte, não tem dúvidas: “sinceramente, não penso que tenha sido homicídio; penso que ele matou-se. Duvido que o tenham matado”.

June Marks contou ao telefone ao JE a partir de Joanesburgo que a última vez que esteve reunida presencialmente com João Rendeiro na prisão de Westville, perto de Durban no leste do país, foi nos primeiros dias de abril.

E Rendeiro estava de bom espírito? “Isso foi o que ele me disse para transmitir [publicamente]. Estivemos em desacordo com várias coisas”.

A 19 de abril, “enviei-lhe uma carta a comunicar que não o iria representar mais. Foi uma carta muito longa a explicar as razões pelas quais tinha-me demitido. Não a posso revelar. Respondia a muitas coisas que ele tinha dito, e expliquei-lhe porque é que não iria continuar. Pedi-lhe para resolvermos os problemas, mas ele não tinha soluções”.

“Ele depois respondeu-me pessoalmente [por telefone], mas as suas respostas não ajudaram. O que estava em causa era mais do que dinheiro: o senhor Rendeiro pensou que seria boa ideia um acordo ilegal: o de não me pagar, a não ser que ele fosse libertado”.

A causídica explica que, inclusivamente, Rendeiro pediu-lhe 10 mil rands para poder comprar  comida para lhe ser entregue na prisão. Este valor equivale a 595 euros; o salário mínimo mensal na África do Sul ronda os 3.500 rands (208 euros).

Na conversa ao telefone com o JE, revelou que tinha tido informação que a autópsia tinha sido concluída, mas que não queria ter mais informação, nem queria saber mais nada do caso Rendeiro. “Sei que a autópsia já foi feita, não quero saber os resultados. João Rendeiro causou-me muita dor e problemas no ultimo mês e meio, quero colocar um fim a isto”.

Pelo seu trabalho após a prisão de João Rendeiro na África do Sul, June Marks garante que foi paga e que o problema entre cliente e advogada começou só em abril. “No inicio de abril, disse-lhe o valor de quanto iria custar fazer um julgamento por extradição durante três semanas. Ele diz, ‘tenho uma ideia: se eu sair, podes ter o teu pagamento’. E o dinheiro que queria pagar ficava abaixo do salário mínimo”.

Com a demissão da advogada, Rendeiro iria regressar a tribunal na sexta-feira 13 de maio para que lhe fosse nomeado um advogado oficioso pelo Estado sul-africano.

Uns dias após a sua morte, a advogada recorda a vida de João Rendeiro na prisão de Westville, considerada uma das mais perigosas da África do Sul. “A 5 de abril, pediu-me para comprar um presente especial para os seus amigos na prisão. Pedia tabaco para os seus amigos muitos especiais. Havia um presidiário que lhe chamava pai [dad] porque tinha perdido o seu pai; é muito novo. Eu conheço esta pessoa; a mim, chamava-me mãe”.

O antigo líder do BPP também mantinha uma relação especial com os presidiários lusófonos da sua cela. “Ele queria estar especificamente com os moçambicanos. Quando lhe perguntaram se queria uma cela diferente ou uma cela privada, ele disse que não, ele gostava da camaradagem dos moçambicanos naquela cela”.

A advogada não poupa nas palavras, e denuncia que foi sujeita a “manipulação emocional”: “ele dizia-me, ‘se não me deres dinheiro, vou morrer à fome’”.

Rendeiro foi ameaçado ou alvo de violência por parte de guardas ou presidiários?: “Não, dizia só que se eu não pagasse, ele não conseguia comer. Não mencionou violência dos presidiários, nunca pediu dinheiro para proteção, ele era amigo de muitos deles [colegas de cela]”.

O ex-banqueiro estava a preparar o seu suicídio? “Não tenho essa ideia, não tenho mesmo essa ideia de que estaria a preparar um suicídio [repete a frase várias vezes], mas ele era um bom ator e manipulador. Ele nunca disse que iria morrer na prisão. Ele levou me a acreditar que não iria cometer suicídio”.

Questionada sobre eventuais razões para o suicídio, June Marks expõe a sua teoria: “Tenho toda a certeza que ele se matou. Ele gostava de dramatismo, era muito egoísta e rancoroso, queria magoar as pessoas. Acho que não queria dar a satisfação a Portugal de ir para uma prisão em Portugal, nem de me dar a satisfação de eu me demitir. Ele queria fazer as coisas à sua maneira, em vez de fazer à maneira dos outros”.

Aconselhou-o a aceitar a extradição? “Não posso revelar os conselhos aos meus clientes”.

A morte de um antigo banqueiro português, condenado pela justiça, não está a chamar a atenção da comunicação social do país austral, aponta. “Ninguém na África do Sul sabe que que ele está aqui, ninguém esta interessado”.

A advogada recorda um episódio passado com Rendeiro: “Quando me pediu 10 mil rands e eu rejeitei, ele disse me algo do género, ‘não vamos discutir por causa desta quantidade insignificante de dinheiro, isto não vale a pena uma discussão'”.

Mencionava a sua mulher nas conversas? “Muito pouco”.

João Rendeiro chegou a dizer que um processo de extradição na África do Sul poderia demorar até sete anos, isso confirma-se? “Não faço ideia de onde é que ele tirou isso; pensei: do que é que este homem está a falar; ele deve ter lido na internet, isso nunca veio de mim”.

“O magistrado iria certamente mandá-lo de volta para a prisão, mas não acredito que ele fosse extraditado. Eu estava confiante no processo, tinha uma estratégia muito boa”, remata.

O ex-banqueiro foi condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros. Das três condenações, apenas uma transitou em julgado e não admitia mais recursos: João Rendeiro teria de cumprir uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses, segundo a “Lusa”. João Rendeiro foi ainda condenado a 10 anos de prisão num segundo processo e a mais três anos e seis meses num terceiro processo, mas estas duas sentenças  não transitaram em julgado. O colapso do BPP, em 2010, lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado, recorda a agência noticiosa.

Precisa de ajuda? Contacte o Serviço de Saúde Mental do Hospital da sua região – Adultos, Infância e Adolescência. A linha SNS24 (808 242424 e www.sns24.gov.pt) e o 112 também estão disponíveis.

Entre em contacto através das Linhas de Crise e da Linha de Aconselhamento Psicológico. Para mais informações, consulte o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.

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