A escalada do conflito militar na Ucrânia tem implicações globais, e sobretudo na Europa. As sanções pesadas do ocidente não são isentas de consequências e as mais imediatas vão estar associadas aos preços das coisas que pagamos e onde existe a necessidade de mais tempo para dar uma resposta mais estrutural – reposicionar novas linhas de fornecimento e programas mais organizados de resposta.

Estamos a falar concretamente dos preços dos combustíveis e dos preços dos bens alimentares.  Haverá certamente outros, como metais e materiais de construção, mas onde as famílias portuguesas mais podem ser afetadas diretamente são nestas dois frentes. A resposta a curto prazo deveria ter sido fiscal, forte e abrangente. E sobretudo que visasse proteger o bolso das famílias, e não o do Estado. Infelizmente foi o oposto, e isso já não é possível apagar da história.

O erro de não entender a dimensão nacional do impacte da crise geopolítica do Leste

O conflito envolve a Rússia e a Ucrânia, que combinados influenciam quase metade do Gás consumido na União Europeia, e em conjunto são um dos maiores celeiros do mundo (ex: detêm um terço do trigo mundial). Hoje já é claro para todos a dimensão financeira e económica que pode ter uma crise nos combustíveis e também nos bens alimentares. Sobretudo entendemos que quanto mais prolongado for o conflito, mais caro pagaremos para atestar o depósito, e também por bens essenciais que compramos todos os dias nos supermercados, como o pão, os ovos, a carne, legumes e fruta. Toda a cadeia alimentar está interligada, e as subidas destes bens podem, de acordo com algumas análises como a do Banco Alimentar contra a Fome,  originar subidas no cabaz alimentar essencial das famílias acima dos 20% ou mais, dependendo dos produtos a considerar.

Ora, se considerarmos as recentes subidas no preço do combustível e uma potencial subida de 20% na fatura do supermercado, não é impossível de imaginar que nas próximas semanas os portugueses possam ter um impacte direto em termos das despesas mensais em torno de 100 a 150 euros a mais. Ou seja, um valor que pode representar mais de 10% do ordenado médio de um português (em 2019, era de 1206 euros, de acordo com dados Pordata). E isto apenas nas primeiras semanas do conflito.

Entender o impacte fiscal acentuado e imoral nos produtos afetados pela guerra

Entender este efeito financeiro, também passa por aceitar que existe uma componente de fiscalidade que em alguma situações, alavanca de forma exponencial as receitas do Estado, o que constitui uma enorme receita para os cofres do Estado, que não só afeta a capacidade da economia crescer e alimenta uma potencial espiral inflacionista potencialmente perigosa para as famílias, mas que se reveste de um caracter imoral porque são receitas excessivas obtidas em virtude de um fator relacionado com uma crise humanitária europeia, até ver de consequências imprevisíveis até na forma como fomos habituados a viver nas ultimas décadas.

Os cupões e exercícios de neutralidade de IVA são soluções politicamente medíocres e sem eficácia para os portugueses

Por tudo isto, a resposta de curto prazo deveria ter passado de imediato pela descida dos impostos variáveis (IVA) nestas componentes. O Governo português tomou agora essa decisão, mas perdeu muito tempo a fazer isso, perdendo tempo a debater cupões de 20 euros mensais – uma resposta, diga-se, que roça a mediocridade política – ou criando mecanismos de “compensação” que permitisse a neutralidade da receita de IVA a mais, como se em tempo de crise ainda seja necessário proteger os cofres do Estado e não das famílias portuguesas.

Para além da absoluta imoralidade das medidas tomadas inicialmente, misturadas com negacionismos relacionados com o real impacto que esta crise pode ter, a capacidade real de, no curto prazo, mitigar o impacto da inflação nos bens alimentares e nos combustíveis é praticamente diminuta. Apenas a redução acentuada e temporária (por dois ou três meses) do IVA nestas duas frentes – constitui a resposta pública adequada e socialmente correta de curto prazo aos efeitos imediatos desta crise. Isto permite comprar tempo até que outras medidas estruturais possam ser colocadas em prática, não apenas pelo Governo, mas sobretudo a nível europeu.