A recente Lei 93/2021 sobre proteção de denunciantes, que exige a criação ou adaptação de canais de denúncia internos (whistleblowing) em organizações com 50 ou mais trabalhadores, irá, desejavelmente, trazer à discussão a retaliação.

Esta lei prevê a possibilidade de utilização de um canal de denúncia externo se o canal interno só aceitar denúncias de trabalhadores; se não forem comunicadas as medidas previstas ou adotadas nos prazos estipulados; se o denunciante tiver motivos razoáveis para crer que a infração não pode ser eficazmente resolvida internamente; e se existir risco de retaliação.

Com exceção do risco de retaliação, as empresas poderão, com alguma facilidade, evitar denúncias externas, protegendo assim a sua reputação.

E digo com exceção da retaliação porque não basta um eficiente canal de denúncias. É preciso algo mais difícil, é preciso (saber) gerir o risco de retaliação. A retaliação foi, e continua a ser, uma enorme fonte de preocupação, a nível global, mesmo em organizações com sistemas eficientes de gestão e reporte do desempenho ético.

No Ethics at Work survey, efetuado em 2021 a 13 países, 42% dos portugueses já sentiram retaliação, sendo que os mais jovens e os que tem cargos de gestão sentiram-se ainda mais afetados. No Global Business Ethics Survey, os valores são ainda mais alarmantes, com crescimento do valor médio global de 41% em 2015 para 61% em 2020. Numa análise funcional, verificou-se que a retaliação afetou 80% dos gestores de topo e intermédios, 60% dos supervisores e 40% dos não gestores.

E o que é a retaliação? É o ato ou omissão (incluindo ameaças e tentativas) que, direta ou indiretamente, ocorrendo em contexto profissional e motivado por uma denúncia interna, externa ou divulgação pública, cause ou possa causar ao denunciante, de modo injustificado, danos patrimoniais ou não patrimoniais.

A retaliação pode se feita pela chefia, mas também por colegas e até, mais raramente, pela própria família. Em 2020, os atos de retaliação (ou perceção sentida pelo denunciante) mais frequentes foram: intencionalmente ignorado por colegas (25%) e por supervisores (22%); atribuição de trabalho desfavorável (23%); baixa avaliação do desempenho (21%); insultos por supervisores ou gestão (18%) e por colegas (18%); exclusão de participação em decisões e/ou atividades laborais (16%).

Num inovador estudo baseado em entrevistas em profundidade a 72 ex-denunciantes, usando nove categorias de retaliação, destaca-se:  marginalização (78%), contra-acusações (76%), assédio 60% e desvalorização 60%, designadamente com avaliações de desempenho mais baixas e promoções negadas.

Vale a pena, contudo, salientar que o canal de denúncias não é a opção mais utilizada recorrendo-se, historicamente, ao supervisor (44%), ao gestor (27%), ao departamento de ética/compliance (25%), à área interna de Recursos Humanos (24%); e ao canal de denúncias (19%).

E é por isso que qualquer gestor (seja administrador, diretor ou supervisor) tem que estar preparado para lidar com denúncias e saber identificar, prevenir e gerir a retaliação para proteger os denunciantes, para evitar denúncias externas e para proteger a reputação da organização. Temo, contudo, que muitos, mas mesmo muitos, gestores nem sequer estejam conscientes dos riscos da retaliação.

Por isso, esta lei vem ajudar a reforçar um dos deveres dos gestores: estar atento a potenciais retaliações para proteger quem denuncia.