Estamos a passar por dois acontecimentos que vão marcar o nosso futuro. O primeiro é a situação na Ucrânia. Putin irá anexar uma parte do país; invadir ou não o resto muda os limites, não o fundo da questão. Fica claro que é perigoso depender do país que na energia, em particular no gás, representa 30% do consumo da União Europeia – pico de 80% na Finlândia, 50% na Alemanha.

Vai acontecer como quando anexou a Crimeia, com toda a gente a olhar para o lado? Se a História se repete, ele não vai parar aqui. John McCain disse em 2014 que a Rússia era um posto de combustível disfarçado de país. Talvez, mas com armas atómicas. E quando o crime compensa, o criminoso aproveita – más notícias para Taiwan.

Em consequência, as bolsas caem até na Rússia – ontem, 10,5%. Dizia Nathan Rothschild, em 1810, “compre ao som dos canhões”, mas desta vez não são as guerras napoleónicas, é mais sério. E é o redesenho da ordem internacional, o recriar do velho modelo, muralha de aço incluída, porventura com três polos – ou seja, o fim da Nova Desordem Internacional que temos vivido e a reaproximação da Europa com os EUA.

Imagine-se o valor para os pequenos estados bálticos de hoje serem membros da União Europeia. E a NATO, que alguns davam por morta, assassinada por Trump, renasce como a fénix. Mas será interessante ver que posição tomará a Alemanha, com a sua dependência do gás russo. Em qualquer cenário, a vida irá tornar-se mais cara, não só por causa dos embargos que se vão seguir, mas porque vamos ter que gastar mais em segurança – aquilo que Trump quis impor vai agora ser natural.

Se os EUA terão músculo para a tarefa leva-nos ao segundo acontecimento: a normalização da política económica americana. Como vão os EUA fazer o unwind do quantitative easing e o combate à inflação? É duvidoso que haja hoje uma estratégia para tal atendendo às divergências dentro do Open Market Committee da Reserva Federal dos EUA (Fed). Afinal, foi há menos de um ano, a 28 de abril, que a Fed usou pela primeira vez a palavra “transitória” para caraterizar a inflação.

Agora já não consegue fugir ao problema: citando David Zervos, a inflação atingiu máximos de 40 anos devido não à descida de 1,5% da taxa de juro, mas aos quase cinco milhões de milhões de dólares de quantitative easing. É esta compra maciça de ativos que engordou a massa monetária e levou à inflação atual.

Durante a pandemia a Fed duplicou o seu balanço (quantidade de ativos financeiros detidos). Como tal, deverá ser hoje a proprietária de um terço dos títulos do Tesouro e dos créditos hipotecários à habitação nos EUA, e a dívida pública está acima de 130% do PIB. A subida das taxas de juro só pode ser gradual e limitada, pelos seus efeitos sobre os juros da dívida pública e o défice orçamental. A margem de manobra estava perdida na política fiscal e está hoje perdida na política monetária.

O mundo ocidental está talvez mais desarmado na área económica do que na área militar.