A abordagem da Diabetes Mellitus (DM) tem vindo a ser profundamente alterada, fruto do desenvolvimento de tratamentos inovadores e da crescente utilização da Monitorização Contínua da Glicose (MCG).

O tratamento de muitos doentes com DM implica a autovigilância da glicose, cuja frequência ou intensidade está relacionada com o tipo de tratamento, nomeadamente com a intensidade da insulinoterapia. Há várias décadas que dispomos da monitorização glicémica através da punção capilar. Embora sendo úteis e tendo contribuído para uma grande melhoria do controlo da DM, estes sistemas dão-nos uma visão limitada, devido à intermitência dos dados e pela necessidade de ‘picar o dedo’.

Recentemente, surgiram tecnologias que permitem, com um mínimo de invasividade, a monitorização contínua da glicose intersticial. A princípio estas tecnologias eram utilizadas em contextos de monitorização temporária, contudo, foram progressivamente sendo adoptadas como método de base em doentes com maior exigência de acompanhamento. Estes sistemas são cada vez menos invasivos, mais simples, mais exactos e fiáveis.

Foi, no entanto, com a chegada do sistema de leitura intermitente, designado por flash, que se começou a utilizar a MCG de forma generalizada, sobretudo quando esta passou a ser comparticipada pelo SNS para doentes sob tratamento intensivo com insulina.

O surgimento da MCG e, sobretudo, a sua aplicação em larga escala vieram revolucionar o tratamento da DM, mas vieram também alterar o nosso conhecimento acerca da doença. Passámos da escassez de informação para uma abundância de dados que, por sua vez, veio exigir uma nova forma de os registar, organizar, integrar e apresentar. Surgiram, assim, novas métricas e novas formas de visualização para uma melhor compreensão da DM, das determinantes das excursões glicémicas e das suas implicações na evolução das complicações.

Estes vastos conjuntos de dados favorecem um melhor controlo efectivo, nomeadamente através do desenvolvimento de soluções de interligação com os sistemas de infusão contínua de insulina, no caminho para o ‘pâncreas artificial’. Paralelamente, desenvolvem-se sistemas de acesso online, desafiando-nos a encarar uma profunda mudança no modelo assistencial.

Espera-se ainda que, a par da clínica, a MCG venha contribuir para a melhoria do acompanhamento e interpretação dos resultados de ensaios clínicos e dos estudos, sobretudo quando estes dados forem integrados com tantos outros que já estão ou virão a estar disponíveis através de smartphones ou wearables.

Não devemos, porém, esquecer que esta permanente disponibilidade de informação é também um potencial fardo para a pessoa com diabetes, para os seus familiares e para os profissionais de saúde. Daí a necessidade de dispormos de modelos claros e informativos de gestão da doença. Actualmente, a leitura e interpretação dos valores já conta com o apoio de sistemas de inteligência artificial, mas espera-se que nos próximos anos a automatização liberte cada vez mais a pessoa da DM e das suas consequências.

Com a MCG estamos, sem dúvida, a assistir a uma revolução na diabetes. Uma revolução que ainda está apenas a começar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.