[weglot_switcher]

Ricardo Salgado vai ser hoje ouvido no caso das rendas da EDP

A audição está marcada para a manhã desta terça-feira, 2 de Outubro, no Departamento Central de Investigação e Ação Penal de Lisboa. Na mira da justiça está uma alegada avença mensal de 15 mil euros do saco azul do GES ao ex-ministro Manuel Pinho enquanto era governante.
  • Rafael Marchante/Reuters
2 Outubro 2018, 11h53

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, vai ser interrogado nesta terça-feira, 2 de Outubro, no caso das rendas da EDP.  Será a primeira vez que o antigo homem forte do Grupo Espírito Santo (GES) vai ser interrogado desde que foi constituído arguido, em abril deste ano. Salgado é suspeito de ter corrompido o ex-ministro Manuel Pinho. Em causa está uma alegada avença mensal de 15 mil euros do GES a Pinho enquanto era governante. Este será um dos pontos que os investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) vão querer esclarecer junto do ex-banqueiro quando for ouvido hoje no âmbito do inquérito que investiga a concessão dos alegados benefícios ilegítimos à principal elétrica nacional.

O antigo presidente do BES tornou-se, em abril deste ano, arguido na investigação que diz respeito a suspeitas de benefícios de mais de 1,2 mil milhões de euros alegadamente concedidos à principal eléctrica nacional por parte de Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do Governo de José Sócrates. Salgado, segundo o Ministério Público, terá ordenado uma transferência de perto de 800 mil euros para uma offshore de Manuel Pinho quando este ainda estava em funções e deu luz verde aos chamados Custos para a Manutenção do Equilíbrio (CMEC) que foram criadas para compensar a EDP pelo fim dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE).

Os depósitos nas contas do ex-ministro da economia terão começado em 2002 com transferências mensais fixas de quase 15 mil euros que terão continuado enquanto desempenhava o cargo de ministro da Economia, entre 2005 e 2009,  e que os investigadores do DCIAP vão procurar saber agora junto do ex-banqueiro qual a razão para este pagamento no  interrogatório que chegou a estar marcado para 19 de setembro, mas acabou por ser reagendado para o início de Outubro.

A investigaçãoacredita que se trata de pagamentos de eventuais favores feitos pelo ex-ministro ao antigo dono do BES e à EDP, onde o banco de Ricardo Salgado era acionista minoritário. Salgado é suspeito de ter tomado um conjunto de decisões em termos de legislação de produção e venda de electricidade que terão beneficiado a eléctrica nacional num total de cerca de 1,2 mil milhões de euros, onde o BES chegou a deter 3% do capital, usufruindo desses supostos benefícios enquanto accionista da empresa de electricidade.

Este ano, o chamado inquérito às rendas excessivas – que conta com oito arguidos –  ganhou um novo fôlego o com a prova indiciária de que Manuel Pinho recebeu, por alegadas ordens de Ricardo Salgado, uma transferência mensal de cerca de 15 mil euros do GES, enquanto foi ministro de Economia de Sócrates — através da Espírito Santo Enterprises – offshore com ligações ao banco português, e que costuma ser designada como o ‘saco azul’ do GES.

Este é um dos temas que Ricardo Salgado deverá ser confrontado no interrogatório judicial de hoje, procurando a investigação esclarecer o objectivo daquelas transferências, nomeadamente se era o de beneficiar a EDP, da qual o BES era acionista, e o próprio GES.

Outro dos temas que o ex-banqueiro deverá ser confrontado pelos investigadores prende-se com o facto de ter sido apontado como o responsável pela ida do ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, para o governo de José Sócrates em 2005, ao ter apontado o nome de Pinho.

Salgado é já arguido em três outros casos: Monte Branco, Universo Espírito Santo e Operação Marquês.

Compra de casa ao GES por empresa de Pinho

Na mira da Justiça está ainda a Pilar Jardim — Gestão Imobiliária,  empresa criada por Manuel  Pinho e pela sua mulher, Alexandra Fonseca (gestora da sociedade), para adquirir o prédio com os números 66/68 da rua Saraiva de Carvalho, em Lisboa, a um fundo de investimento do GES por 789 mil euros. Segundo o Observador, o negócio foi realizado 12 dias depois de Pinho ter tomado posse em 2005 como ministro da Economia do Governo de Sócrates. O casal viria a ter um ganho bruto  superior a 4,8 milhões de euros com a reconstrução e revenda das diversas frações.

A PJ está a passar a pente fino os movimentos financeiros, entre 2007 e 2014, para apurar se houve recebimento indevido de vantagem em dinheiro ou património.

Transferências para offshores

O MP descobriu, já este ano, novos factos, no processo  que investiga o Universo Espírito Santo,  que  passam  por transferências para  offshores que pertencem a Pinho, num montante da ordem dos 3,5 milhões de euros. Deste valor, que tem origem no ‘saco azul’ do BES,  o  ex-governante recebeu um total de cerca 1,8 milhões de euros através de duas offshores para onde eram  transferidos mensalmente de cerca de 15 mil euros entre julho de 2002 e junho de 2012.

Só no período em que Manuel Pinho foi ministro da Economia, entre março de 2005 e julho de 2009, terão chegado às suas contas, via Mesete II e via Tartaruga Foundation, mais de 793 mil euros.

Em maio, em comunicado, o advogado de Manuel Pinho, Ricardo Sá Fernandes, revelou que o ex-ministro, que deixou de ser arguido no caso EDP, estaria disposto a prestar “todos os esclarecimentos” aos deputados, mas só depois de ser interrogado pelo Ministério Público.

Em 19 de abril, o jornal ‘online’ Observador noticiou as suspeitas de Manuel Pinho ter recebido, de uma empresa do GES, entre 2006 e 2012, cerca de um milhão de euros.

Os pagamentos terão sido realizados a uma nova sociedade ‘offshore’ descoberta a Manuel Pinho, chamada Tartaruga Foundation, com sede no Panamá, por parte da Espírito Santo (ES) Enterprises – também ela uma empresa ‘offshore’ sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.

Interrogatório de Pinho foi desmarcado

Recorde-se que a 17 de julho deste ano, o interrogatório de Manuel Pinho no DCIAP, em Lisboa, acabou por ser desmarcado, tendo o advogado do ex-ministro da Economia, Ricardo Sá Fernandes, explicou que houve “razões processuais que levaram” a que a sessão fosse adiada e que ainda não foi marcada uma nova audição.

Depois de se ter recusado prestar declarações, Pinho acabou por remeter todas as perguntas para o seu advogado, que chegou depois. “A diligência foi dada sem efeito porque ocorreram questões processuais que o justificaram”, afirmou Sá Fernandes, explicando que foi o Ministério Público que tomou a decisão. “Como é sabido, o senhor juiz de instrução anulou o ato de constituição do Dr. Manuel Pinho como arguido. Portanto, o dr. Manuel Pinho não é, neste momento, arguido neste processo. Esse é um dado inquestionável.”

O MP queria ouvir Manuel Pinho vai, assim, ser ouvido no DCIAP antes de ir ao Parlamento, na sequência de um requerimento do PSD, onde os sociais democratas propusera uma audição do ex-ministro de José Sócrates, após notícias que deram conta de uma alegada avença de 15 mil euros do GES enquanto era governante.

No Parlamento, na audição requerida pelo PSD, Pinho esclareceu que não iria responder a questões sobre “ética” e a sua relação com EDP e GES, aceitando apenas falar sobre decisões de política energética no seu Governo. O ex-governante defendeu, por várias vezes, perante os deputados que os contratos da EDP foram, à época, bons para o Estado

Segundo Pinho, o acordo que o Governo fez em 2007 com a EDP, permitindo à elétrica prolongar as concessões do domínio hídrico relativas às barragens do regime CMEC, foi bom para o Estado português.

Pelo acordo, a EDP pagou ao Estado uma contrapartida de 759 milhões de euros, apesar de haver uma avaliação da REN que colocava o valor daquela extensão das concessões acima dos 1,6 mil milhões de euros

No Parlamento o ex-ministro foi também confrontado com o facto de em 2005, ano em que entrou para o Governo, ter declarado como salário 490 mil euros apesar de só ter trabalhado dois meses para o BES (o equivalente ao salário recebido no ano anterior). Aos deputados, Pinho assegurou: “Se declarei, é porque ganhei”.

Os tipos de crimes sob suspeita

As suspeitas do Ministério Público incidem sobre corrupção ativa e corrupção passiva e participação económica em negócio, num processo que investiga também a criação de um curso sobre energias renováveis na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, alegadamente pago pela EDP e lecionado pelo ex-ministro da Economia, Manuel Pinho.

O MP pretende apurar se o patrocínio da EDP a Columbia para financiar um curso de energias renováveis, em que Manuel Pinho deu aulas, configura uma contrapartida pelos alegados benefícios que a EDP terá conseguido com a passagem dos CAE a CMEC  e com o alargamento das concessões das suas barragens em 2007.

As autoridades estimam que a elétrica tenha sido beneficiada em mais de mil milhões de euros e que só em CMEC esse benefício tenha ascendido a 475 milhões de euros.

Após as buscas no verão do ano passado, que levaram à constituição de vários arguidos (entre os quais António Mexia, presidente a EDP;  João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis e o ex-presidente da REN Rui Cartaxo), a investigação assumiu já este ano novos contornos com a descoberta de novos factos.

 

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.