Em 2010 o saldo orçamental foi de -11,2% do PIB – o mais elevado de sempre –, sendo que em 2019 se terá situado, de acordo com o relatório do Orçamento do Estado para 2019, em -0,1%.

Contudo, para melhor compreendermos a evolução das contas públicas vale a pena começar por expurgar desta variável todas as medidas temporárias e não recorrentes. Neste caso, o saldo ter-se-á reduzido de -8,8% do PIB em 2010 para 0,4% em 2019. Isto significa um ajustamento nominal (excluindo medidas pontuais) de aproximadamente 17 mil milhões de euros: 61% deste valor respeita ao período 2011-2015 e 39% ao de 2016-2019.

De forma complementar podemos ainda analisar um outro indicador designado por saldo estrutural primário – este exclui não apenas as ditas medidas pontuais, mas também as despesas com os juros da dívida pública descontando ainda os efeitos do ciclo económico. Este anula os efeitos que não são directamente controláveis pelos governos, sendo útil para avaliar o esforço de consolidação orçamental.

À luz deste indicador o défice português terá passado de 5,6% do PIB em 2010 para um excedente de 2,8% em 2019. Contudo, importa destacar três momentos distintos na evolução desta variável: um primeiro (2011-2014) que significou um forte ajustamento primário estrutural, um segundo (2015-2016) em que se verificou uma deterioração do referido saldo, e finalmente um terceiro (2017-2019) em que o ajustamento primário estrutural foi quase inexistente.

Assim, através destes dois indicadores (saldo ajustado de medidas temporárias e não recorrentes e saldo primário estrutural) é possível concluir, em primeiro lugar, que a consolidação orçamental (líquida de medidas pontuais) que ocorreu na última legislatura foi inferior à de 2011-2015. Em segundo lugar, que a consolidação de 2016-2019 se deveu essencialmente aos efeitos positivos do ciclo económico e à redução dos encargos com os juros (resultado das operações de troca de dívida num contexto de fortes estímulos do BCE).

Embora Mário Centeno tenha trabalhado para o resultado final, fica claro que não foi o único que o fez. O “Ronaldo das Finanças” não passa por isso de uma história que procura atribuir todo o mérito a um só ministro das Finanças (ao mais recente), omitindo, por exemplo, os contributos decisivos de outros ministros, como Vítor Gaspar e Maria Luís Albuquerque. Mas mais importante: a história “Ronaldo das Finanças” desvaloriza o papel dos portugueses que, afinal de contas, foram aqueles que efectivamente suportaram todos os sacrifícios.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.