Esta semana, várias propostas foram chumbadas no Parlamento que previam o direito dos trabalhadores a desligar dispositivos digitais fora do horário de trabalho, de forma a “garantir o direito ao descanso e ao lazer, a conciliação da atividade profissional com a vida familiar, e a intimidade da vida privada”.

As boas intenções subjacentes às propostas foram incapazes de reunir o consenso dos partidos à esquerda. Embora até à data não haja nenhum caso de litígio laboral conhecido em Portugal assente nesta matéria, “o direito a desligar” é apenas uma das muitas faces das alterações substanciais que as ferramentas digitais introduziram na nossa relação com o trabalho, e de formas que poderíamos considerar perversas.

A tecnologia veio incentivar, de uma forma generalizada, uma aceleração das nossas vidas, induzindo-nos à necessidade constante de ser ainda mais produtivos e tentar cumprir um número crescente de tarefas e responsabilidades, provocando não raras vezes mais ansiedade e angústia.

Chegados ao ponto em que a sociedade começa a definir limites laborais de acesso à tecnologia, como tem sido a nossa relação na vida privada? Conseguimos fazer essa análise de forma objetiva? Iremos gostar das conclusões? A possibilidade permanente de acesso a emails e contactos sociais através do telemóvel leva-nos a passar um número considerável de horas a responder a mensagens, a tuitar, a scroll down o Instagram e FB, a ler as notícias de todo o mundo atualizadas ao minuto.

O telemóvel preenche todos os momentos enquanto andamos em transportes públicos, enquanto trabalhamos, enquanto estamos a fazer exercício físico, enquanto almoçamos ou jantamos, enquanto esperamos por alguém ou algo. Criámos o medo de perder o telemóvel como se perdêssemos uma bússola da vida.

Já reconhecemos sinais patológicos na nossa dependência digital, ao ponto de impor restrições às crianças, mas na nossa vida privada e adulta teremos a capacidade de nos refrear, para que o nosso tempo de lazer não seja inteiramente consumido pela Internet? O tempo parece escassear ainda mais quando estamos mergulhados nas esferas digitais. Nunca parece haver tempo suficiente, fugindo por entre os dedos como areia. Ao mesmo tempo, se não estamos online, prevalece um sentimento de perda e desconexão à corrente infindável de informação que circula na Internet.

E, no entanto, nem tudo é negativo. A vida seria infinitamente mais aborrecida sem uma ligação à Internet. Além disso, famílias que vivem à distância sentem-se mais próximas graças à tecnologia. Mas estarão os aspetos negativos a começar a ganhar uma maior preponderância?

A HBO lançou recentemente uma série, “Years and Years”, que narra a adaptação de uma família inglesa aos acontecimentos sociais e políticos dos próximos 20 anos. A filha adolescente pretende tornar-se uma transumana, e comunica aos pais o seu desejo de deixar para trás as limitações humanas e fundir-se com o mundo digital, um assunto cada vez mais real entre os jovens.

Como será a dependência digital nos próximos 20 anos? Talvez seja hora de darmos uma maior atenção a esta questão, não sendo pequeno o impacto que a massificação de smartphones teve na sociedade na última década e que, certamente, só irá piorar.