A escalada dos preços e a desaceleração da economia global estão a pressionar de modo significativo os salários em todo o mundo. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos primeiros seis meses do ano, os ordenados caíram, em termos reais, 0,9%, colocando milhões de trabalhadores (especialmente os mais vulneráveis) em dificuldades. “Esta foi a primeira vez neste século que a variação real dos salários foi negativa”, destaca a entidade dirigida por Gilbert F. Houngbo.
Segundo nota a OIT no relatório “The Global Wage Report 2022-2023”, a inflação, combinada com o abrandamento da economia global – cenário que é explicado pelo conflito em curso no leste europeu e pela crise energética –, tem causado uma descida acentuada dos salários reais mensais em vários países.
Assim, de modo global, os ordenados recuaram 0,9% em termos reais, mas nas economias avançadas do G20 essa quebra foi ainda mais acentuada: 2,2%.
Já nos países em desenvolvimento do G20, os salários conseguiram uma variação positiva (0,8%), mas significativamente abaixo do verificado há um ano (-2,6 pontos percentuais), ainda que nessa altura o mercado de trabalho estivesse a ser severamente condicionado pela crise pandémica e pelas restrições que a ela ficaram associadas.
O relatório da OIT mostra, além disso, que é junto dos trabalhadores mais vulneráveis (ou seja, com rendimentos mais modestos) que a inflação está a ter um impacto mais significativo. Isto uma vez que estes gastam a maioria dos seus rendimentos em bens e serviços essenciais, precisamente aqueles que têm registado subidas de preços mais acentuadas.
Na mesma linha, a inflação está a deteriorar o poder de compra de quem ganha o salário mínimo. “A aceleração dos preços está rapidamente a desgastar o valor real dos salários mínimos em muitos dos países para os quais há dados disponíveis”, alerta a OIT.
Portugal não está longe deste cenário. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre julho e setembro, os salários reais caíram 4,7%. Apesar de os ordenados terem subido em termos absolutos, acabaram por recuar em termos reais, por efeito do disparo dos preços.
Perante esta dinâmica, o Governo lançou, por exemplo, em setembro um apoio extraordinário ao rendimento, e já reforçou o aumento salário mínimo, que em 2023 subirá, então, para 760 euros, mais dez euros do que tinha sido inicialmente sinalizado.
“As múltiplas crises globais que estamos a enfrentar estão a levar a um declínio dos salários reais. Têm deixado milhões de trabalhadores em situações complicadas, uma vez que enfrentam incerteza crescentes”, sublinha, assim, o diretor-geral da OIT.
Gilbert F. Houngbo salienta ainda esta quinta-feira que a desigualdade e a pobreza registarão um agravamento se o poder de compra dos mais vulneráveis não for protegido.
De notar que esta escalada da inflação acontece pouco depois de a crise pandémica ter também pressionado de modo significativo os rendimentos das famílias. Por isso, o relatório da OIT apela a políticas “bem desenhadas” para manter o poder de compra e o padrão de vida dos trabalhadores, nomeadamente através de ajustamentos do salário mínimo, como aconteceu em Portugal.
“Um diálogo social tripartido forte e a negociação coletiva podem também ajudar a que se atinjam ajustamentos salariais adequados”, recomenda a organização, avisando que a proteção dos rendimentos pode também impulsionar a recuperação do emprego.
A propósito, recentemente, o Governo fechou um acordo com as confederações patronais e com a UGT que prevê a valorização dos salários. No próximo ano, o referencial é de 5,1%.