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Salvem o “milagre do cinema português”!

Uma carta aberta ao Governo chegou para além fronteiras e recebeu apoio da comunidade cinéfila internacional.
  • «Tabou» (2012) de Miguel Gomes
14 Fevereiro 2017, 07h40

Uma “carta de protesto e solidariedade” chegou ao jornal francês Libération. Com o título “préserver le «miracle portugais»” – preservar o milagre português”, o artigo partilha a posição de centena de nomes do cinema, que se levantam para proteger e apoiar a claquete em Portugal.

“Há várias décadas que Portugal é tido como um caso à parte no contexto da produção cinematográfica mundial”, começa o texto. “Tratando-se de um país pequeno, sem mercado interno para sustentar uma indústria, é raro o ano em que surja nas salas de cinema mais do que uma dúzia de longas-metragens nacionais. Mas, apesar disso, é elevadíssima a percentagem desses filmes com presença em festivais internacionais”.

Ao longo da carta lêem-se vários desabafos de quem trabalha e não sente o seu trabalho reconhecido no seu próprio país. Esta “carta de protesto e solidariedade” atribui o sucesso do cinema português a um “milagre” que “deve-se certamente ao mérito dos realizadores, dos técnicos, dos atores e dos produtores de cinema em Portugal”, à política cultural, que abraçou projetos como o Instituto de Cinema e Audiovisual de Portugal (ICA), às leis do cinema e ao Ministério da Cultura.

Mas, é a partir daqui que se começa a perceber que este texto pretende manifestar-se a um lobby que poucos estão conscientes de que existe. Até 2013 havia concursos públicos para o apoio financeiro à produção de filmes, onde o perfil do júri era “definido por lei como personalidades com reconhecido mérito cultural e idoneidade”. A partir de 2013 um decreto-lei regulamentador da Lei do Cinema e uma nova direção do ICA fez com que fosse o “comité corporativo a indicar ao ICA os nomes dos júris que  avaliam os projetos de filmes, num claro conluio de interesses em muitos dos casos entre nomeados e quem nomeia”.

O texto acusa que “nos últimos anos contam-se entre os decisores dos projetos de cinema, administradores de bancos com ligação ao cinema ou diretores de marketing de operadoras de telecomunicações…”. A denúncia vai mais além. “O atual governo, refém da pressão exercida por operadores da televisão por cabo,  prepara-se agora para homologar um novo decreto-lei que perpetua e agrava este procedimento. Um conjunto muito representativo de realizadores e produtores portugueses manifestou-se contra este sistema promíscuo e viciado, assegurando à tutela que se recusam terminantemente a fazer parte do processo de nomeações: não querem ter influência na nomeação de júris nem aceitam que outros interessados nos resultados dos concursos possam participar do processo. Acreditam que a transparência só pode ser assegurada se a nomeação de júris regressar à exclusiva competência do ICA. De uma vez por todas, querem uma direção do ICA capaz de assumir as suas responsabilidades, estando consciente do seu duplo papel de executor da política cultural para o cinema e de regulador desta atividade.”

Esta carta serve para relembrar que, caso o decreto-lei seja homologado, as centenas de subscritores do protesto “querem recordar ao Estado que o Cinema Português não é uma questão exclusivamente nacional. Por isso, prestam  a sua solidariedade com os realizadores e produtores portugueses que se têm oposto a este processo e manifestam o seu repúdio”.

O Libération partilhou alguns dos nomes mais sonantes que assinaram a carta.

Maren Ade, Lisandro Alonso, Pedro Almodóvar, Olivier Assayas, Jacques Audiard, Alberto Barbera, Bertrand Bonello, João Botelho, Laurent Cantet, Leos Carax, Caroline Champetier, Carlo Chatrian, Costa-Gavras, Arnaud Desplechin, Lav Diaz, Jacques Doillon, Bruno Dumont, Abbas Fahdel, Philippe Faucon, Pascale Ferran, Miguel Gomes, Christophe Honoré, Agnès Jaoui, Aki Kaurismäki, Pablo Larraín, Mia Hansen-Løve, Lucrecia Martel, Kleber Mendonça Filho, Avi Mograbi, Cristian Mungiu, João Nicolau, Rithy Panh, Corneliu Porumboiu, Cristi Puiu, Katell Quillévéré, João Pedro Rodrigues, Gianfranco Rosi, João Salaviza, Walter Salles, Barbet Schroeder, Céline Sciamma, Todd Solondz, Teresa Villaverde, Apichatpong Weerasethakul, Rebecca Zlotowski, os festivais IndieLisboa, DocLisboa, Vila do Conde, a Associação Portuguesa de Realizadores, o centro Pompidou…

 

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