O Banco Central Europeu (BCE) realizou esta quarta-feira uma reunião de emergência e anunciou que irá “acelerar a conclusão da concepção de um novo instrumento anti-fragmentação”. A propósito deste anúncio, Azad Zangana, Senior European Economist and Strategist da Schroders, e James Ringer, Fixed Income Portfolio Manager da Schroders, fizeram uma análise sobre as medidas anunciadas durante a reunião de urgência realizada pelo BCE.
O Conselho de Governadores da entidade presidida por Christine Lagarde decidiu tomar duas medidas para travar a fragmentação nos mercados de dívida da zona euro. A mais imediata é a “flexibilidade” na compra de dívida e ainda “um novo instrumento anti-fragmentação” para impedir um afastamento muito grande entre as taxas de juro dos países do Norte e os do Sul.
A Schroders lembra que isto surge como remédio a uma má reação do mercado à reunião de política monetária do Conselho do BCE da semana passada.
“O BCE encontra-se numa situação desconfortável e instável. Precisa aumentar as taxas de juros, mas ao mesmo tempo proteger os países periféricos da zona euros dos custos de empréstimos excessivamente crescentes que acabarão por piorar suas finanças públicas”, destaca a Schroders.
As preocupações com o endividamento de países periféricos, como a Itália, levaram a um aumento no custo da dívida desses governos em comparação com países centrais como a Alemanha.
No passado, isso desencadeou crises de dívida soberana, que o BCE está a tentar a todo o custo evitar.
Na reunião desta quarta-feira, o BCE reafirmou o seu plano estabelecido na semana passada, de usar os ativos detidos no âmbito do programa de compra de emergência pandémica (PEPP) para impedir que os spreads (prémio de risco que é a diferença entre os juros alemães e os juros dos países periféricos) aumentem ainda mais.
Isso depende da libertação de capital de ativos que cheguem à maturidade antes de serem “reinvestidos” em títulos de governos periféricos.
Azad Zangana, Economista e Estrategista Sénior Europeu, é peremptório quando escreve que “sabemos que o tamanho total do PEPP é de cerca de 1,7 biliões de euros, embora o prazo médio dos ativos seja de pouco mais de sete anos e meio”.
“O BCE não está a partilhar informações sobre quais são exatamente os ativos que são mantidos e, como resultado, não há indicação de quanto do fundo estará disponível para o BCE usar no curto prazo”, realça o economista.
“De qualquer forma, o PEPP é muito limitado para ser uma ferramenta eficaz para conter a perda de confiança do mercado”, defende Zangana. “A promessa de uma nova ferramenta política, possivelmente na forma de um novo e grande fundo, seria útil, mas o BCE provavelmente enfrentará desafios legais significativos”, acrescenta.
O BCE não pretende participar no “financiamento monetário”, que envolve o uso da política monetária para subsidiar efetivamente os gastos dos governos, lembra a Schroders.
A gestora de ativos britânica realça que o BCE terá de ser “mais criativo nos seus esforços” para disfarçar as preocupações do mercado com a solvência de alguns países relacionadas com a pandemia.
“O argumento que o BCE usou no passado é que a ‘fragmentação’, referida pelos investidores profissionais como ‘seleção’ ou ‘discriminação’, poderia causar uma crise da dívida soberana. Isso, por sua vez, criaria um ambiente deflacionário fruto de uma possível recessão”, refere a Schroders.
“No entanto, com a inflação em máximos de várias décadas e o BCE tenta aumentar as taxas de juros nos próximos meses, e usar os riscos de deflação como argumento carece de credibilidade”, dizem os economistas.
“Além disso, a introdução do PEPP em resposta à pandemia fazia sentido na época, mas não há evidências de que a resposta dos governos nesse período tenha piorado a percepção do mercado sobre os mercados periféricos em relação ao período anterior”, avançam os economistas.
A Schroders defende que “uma combinação de má gestão das finanças públicas e das economias é a culpada [pela subida dos juros das dívidas dos países do sul] e, à luz das leis atuais, o BCE não deveria utilizar os seus instrumentos para subsidiar estes governos, nem punir governos com melhor desempenho pelas suas políticas mais prudentes (através da venda de ativos)”.
“No entanto, os comentadores pombas [contra a subida das taxas de juros pelos bancos centrais] argumentarão que, sem uma união fiscal, o BCE deve ser o financiador de último recurso desses governos, ou esses países correm o risco de deixar a união monetária”, refere a gestora.
“A este respeito, a Itália possui um grande risco para a união monetária”, defende a Schroders que lembra que já se questiona no mercado se os dias de Itália na zona euro estarão contados.
“Até agora, o anúncio do BCE está a funcionar, pois os spreads diminuíram após o anúncio do BCE. Agora o banco central tem que cumprir rapidamente sua promessa de uma ferramenta nova, grande e legalmente viável se quiser evitar outra crise da dívida soberana”, defende a Schroders.
James Ringer, Gestor de Portfólio de Renda Fixa, diz no comunicado que “o anúncio desta quarta-feira é um passo na direção certa, mas fica aquém de algumas expectativas de implementação imediata de uma ferramenta anti-fragmentação.
“O BCE fez referência ao uso de reinvestimentos de PEPP para direcionar compras para um país sobre outro muitas vezes no passado e isso foi novamente confirmado no discurso de Schnabel na noite passada, então não é novidade”, lembra.
“O que é novo, no entanto, é a menção do novo instrumento anti-fragmentação, mas isso ainda precisa ser finalizado antes de ser aprovado pelo Conselho do BCE”, acrescentam os economistas.
“Em suma, parece que os spreads dos países periféricos e os all-in yields chegaram ao ponto em que o BCE precisava de reafirmar o seu compromisso de apoiar esses mercados. No entanto, o plano de reinvestimento não é novidade e resta saber com que rapidez o instrumento anti-fragmentação pode ser implementado”, concluem os economistas da Schroders.
“Esperamos que as notícias do BCE forneçam um alívio temporário e, por último, que limitem até onde os spreads face às bunds (BTP-Bund) podem chegar, mas achamos que o mercado continuará a desafiar o banco central e a empurrar esses spreads de volta às recentes subidas”, conclui a Schroders.