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Sem cartas de conforto, bancos teriam bloqueado privatização da TAP, diz ex-secretário de Estado

Sérgio Monteiro admite que as cartas de conforto enviadas pela Parpública aos bancos foram “imprescindíveis” para viabilizar a privatização da TAP que, diz ainda, não foi feita à pressa como acusou o ex-ministro Pedro Marques.
  • Cristina Bernardo
1 Junho 2023, 20h27

O ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Sérgio Monteiro, foi questionado esta quinta-feira sobre as cartas de conforto enviadas pela Parpública aos bancos no momento de privatização da TAP. O tema foi recuperado pelo ex-ministro do Planeamento e Infraestruturas, Pedro Marques, esta semana em duas audições parlamentares distintas.

O ex-ministro diz que as cartas colocaram o Estado em risco, porque numa situação de incumprimento por parte do acionista privado, a tutela seria obrigada a readquirir a participação “fosse qual fosse o estado da companhia”. Já Miguel Pinto Luz, que assinou o despacho da Parpública a autorizar o envio das cartas, diz que esse risco nem existia. Contudo, Sérgio Monteiro tem outra versão, uma vez que “fez parte da história”.

A carta serviu, explica o ex-governante, para clarificar aos bancos qual seria a atitude do Estado no caso de um “incumprimento das mutuárias relativamente à dívida que estava contraída”.

“O Estado não diz ‘eu pago’ ou ‘eu substituo no pagamento'”, diz Monteiro. “Não se trata de uma garantia do Estado”. De acordo com o ex-secretário de Estado, resguardava-se apenas o direito e a intenção de intervir e retomar o controlo acionista exclusivo da TAP.

“A carta clarifica o que o Estado fará perante um direito que tem – o direito potestativo. Diz: ‘Eu, Estado, através da Parpública, tenho direito potestativo e exercerei esse direito caso haja incumprimento”, concretiza.

Isto significa que o Estado tem o dever de exercer um direito, num cenário em que a TAP privada falha um dos muitos pagamentos subjacentes aos acordos financeiros existentes.

“Havia mecanismos de controlo”

Contrariamente ao que afirmou o ex-ministro nesta comissão de inquérito, as cartas de conforto não eram um compromisso, mas sim uma resguarda, diz Sérgio Monteiro. Até porque a obrigação estava anexada à ocorrência de um facto — e o Estado tinha “mecanismos de controlo” para controlar e antever se esse facto se dava. “E nem era para a dívida toda, ou para um TAP que estaria espatifada. Havia mecanismos de controlo” da situação financeira mensal, explica.

Estes mecanismos passavam pelo controlo financeiro contínuo da TAP, algo que estava previsot no Acordo de Estabilidade Económico-Financeira. Além desse report periódico, a TAP era obrigada a manter capitais próprios consolidados, neste caso da TAP, SGPS, no memso valor que tinha ao dia da privatização, aos quais se somavam 35 milhões de euros. No caso da dívida, esta teria que ser necessariamente 25 milhões de euros mais magra do que era no dia da privatização.

Este seria o cenário que o Estado encontraria, se alguma vez fosse chamado a exercer o seu direito potestativo, garante o ex-secretário de Estado. “Estava sempre previsto que”, caso as coisas corressem mal, “o Estado ficava com uma TAP melhor do que aquela que vendeu”.

Sobre o envio para os bancos destas mesmas cartas, foi algo “imprescindível”, sublinha. Sem elas, os bancos teriam obstaculizado a privatização. Mas em resposta ao deputado socialista Hugo Costa, diz não ter assinado nenhum acordo com os bancos.

Privatização não se deu à pressa

Durante a sua intervenção, Sérgio Monteiro quis também rejeitar a visão ontem partilhada pelo ex-ministro Pedro Marques de que a privatização pelo Governo de coligação PSD/CDS tinha sido feita de forma apressada. O ex-secretário de Estado diz que a operação estava prevista no memorando de entendimento assinado com a troika e que, portanto, era uma obrigação do Estado.

Acrescenta, aliás, que tivesse sido continuado o projeto de governo de coligação e a privatização ter-se-ia dado no mesmo dia, porque assim estava previsto.

Contudo, diz, era também “uma necessidade”. Isto porque a TAP estaria numa posição pouco vantajosa, por ser uma entidade pública, face a outras companhias áreas que se podiam capitalizar livremente. Além disso, concretiza sobre o caderno de encargos, e diz que as contas da empresa antes do processo de privatização eram conturbadas porque a companhia aérea estava exposta a efeitos incontroláveis pela gestão e notava-se “uma crescente desconfiança nos credores sobre a capacidade” da empresa de cumprir as obrigações sem uma injeção, um auxílio ou um resgate.

Por isso mesmo, recorda, fornecedores e prestadores de serviços da empresa agiam quase “como bancos da TAP”, ao aceitarem receber os pagamentos mais tarde, tendo como garantia (ou expectativa) a capacidade da empresa de se vir a capitalizar “de forma adequada”, salienta Sérgio Monteiro.

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