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Sérgio Sousa Pinto: “Não vou qual testemunha de Jeová bater à porta dos eleitores do Chega”

Deputado do PS realça que anos de crises sucessivas conduziram a “uma vida muito difícil e sem oportunidades” para muitos portugueses que estão agora a aproximar-se do partido fundado por André Ventura.
  • Twitter/Chega
30 Novembro 2020, 08h00

O deputado socialista Sérgio Sousa Pinto considera “desprezível e lamentável” o discurso do partido liderado por André Ventura, o que não o impede de também se insurgir contra direções partidárias que são incapazes de perceber a frustração com o regime que poderá levar muitos eleitores a optarem pelo Chega. E também dispensaria as “romarias de indignados” que os contestam.

Nos seus textos reunidos no livro “A República à Deriva” alerta para o perigo de ignorar os eleitores que votam naqueles que são considerados infrequentáveis do outro lado das barricadas, sejam os 57 milhões de Bolsonaro ou agora estes 74 milhões de Trump. Vê mais alguém na esquerda portuguesa disposto a tentar entender as centenas de milhar que as sondagens indicam que poderão vir a votar no Chega?

Quem tem de tentar entender não sou eu. Não vou qual testemunha de Jeová bater à porta dos eleitores do Chega, como quem lhes oferece psicoterapia. As direções dos partidos é que têm de perceber o que está a acontecer na sociedade. Têm de perceber as raízes desse desamor às instituições democráticas, dessa frustração com o regime, e tomar medidas. Foi isso o que quis dizer.

De qualquer forma, para si o Chega é um projeto político perigoso?

Um discurso contra as minorias, a associar os ciganos à criminalidade e ao abuso do rendimento mínimo – toda a gente sabe que os ciganos representam 3% do rendimento mínimo -, sempre à procura de bodes expiatórios, em que a pátria não é motivo de orgulho e de felicidade por causa dos ciganos, dos pobres e dos desgraçados… Isto é tudo desprezível e lamentável, mas há que perceber porque é que há pessoas que aderem. Fazem-no porque querem castigar o regime, as instituições e os políticos. Sentem uma profunda insatisfação e frustração com o estado a que as coisas chegaram no nosso país. O processo de convergência com os países mais adiantados está empanado, o elevador social está empanado. Estamos a falar de entre 10 a 15 anos de crises sucessivas, há uma geração imediatamente a seguir à minha que tem tido uma vida muito difícil, dura e sem oportunidades, e é preciso perceber essas realidades. Não vale a pena irmos todos desfilar contra o Chega nas habituais romarias de indignados que ficam a sentir-se ótimos e cheios de santimónia e boa consciência. O que é preciso é tomar decisões, mas essas decisões não são tomadas.

Até porque na prática André Ventura também se alimenta dessas romarias…

Alimenta porque geralmente os cabeças de pelotão dessas romarias são pessoas que, felizmente para elas, estão muitíssimo bem instaladas na vida. Estão muitíssimo satisfeitas, o regime correu-lhe bem, a vida correu-lhes bem, e depois não encontram melhor forma de lidar com aqueles que estão numa situação mais aflita e desesperada do que mostrarem-se do alto da sua superioridade moral que é sobretudo material. Não tenho paciência para isso. Deploro.

E é uma receita que já deu provas de não correr muito bem, como viu Hillary Clinton nas presidenciais norte-americanas de 2016.

Para os envolvidos é boa, pois ficam a sentir-se muitíssimo bem com eles próprios. São demonstrações públicas de pureza democrática e fidelidade santa aos ideais. É uma espécie de terapia coletiva.

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