Temos andado mais entretidos com a telenovela de Downing Street do que com o que realmente interessa. Percebe-se a histórica proximidade britânica e o interesse pela sucessão de primeiros-ministros do Reino Unido. E até se compreende que a riqueza de Rishi Sunak, na verdade a da sua esposa, possa suscitar voyeurismo disfarçado de curiosidade. O que não se entende é a ligeireza com que se olha para o que se passou em Pequim e que, provavelmente, irá marcar a História contemporânea.
Quando se pretende detetar as grandes tendências, não é necessário adivinhar. Basta ler. E no caso da China isso tem sido evidente. Podemos (e devemos) criticar China em muitas coisas, mas há que admitir que comunica de forma eficaz e verdadeira. Os planos quinquenais das últimas décadas têm sido um roadmap rigoroso das prioridades e estratégias para o país.
Do congresso do partido comunista chinês só vieram maus sinais. A inédita concentração de poder em Xi Jinping era esperada, mas talvez o otimismo nos impedisse de admitir a mudança – a China passou a ser uma ditadura com um nome. Pequim clarificou que quer a independência tecnológica, o que permitirá regular a sociedade e ditar as normas dentro e fora da China, inclusivamente na defesa.
A aparente abertura chinesa das últimas décadas, que nos cativou pelo comércio, parece ter deixado de ser uma prioridade. O regime será mais fechado e opressor. Xi anunciou que o mundo já não é multipolar, mas que EUA e China disputarão a hegemonia global. E nada como ver o vídeo da expulsão de Hu Jintao do congresso. Naquela cena, quase cinematográfica, tudo é revelador. Desde as máscaras que só existem a partir da segunda fila, à expressão esfíngica dos senhores que estão à frente perante a humilhação pública do anterior Grande Líder. Tudo ali tresanda a medo.