A saúde débil de Mário Soares é preocupante e está a deixar um rasto de solidariedade por todo o país. Não é para menos. Afastado das lides da política ativa há alguns anos, Soares nunca deixou de ser a palavra de confronto e de incómodo. Nos momentos difíceis como aquele que vive, sucedem-se as manifestações de conforto e carinho. Não é para menos e não são os seus 92 anos muito bem vividos que o justificam. É a obra, é o nome, é o slogan.

Soares será um dos maiores vultos de sempre do panorama político nacional, independentemente de todos os erros que possa ter cometido nos últimos 40 anos. Ninguém lhe tira a luta no pré “25 de Abril” contra a ditadura, no pós “25 de Abril” contra a loucura de esquerda, e na iniciativa – que apenas se apanha uma vez na vida – que foi a negociação da adesão do país à Comunidade Europeia. E foi este último grande ato que tirou o país do terceiro mundo. Só isto chega para o colocar entre os grandes portugueses.

Está doente e esperemos que recupere, mas é obrigatório o elogio de um “Soares fixe”, que depois das grandes lutas políticas foi perdendo o ‘momentum’, foi sendo substituído por outros políticos que lhe fizeram frente e que ganharam a confiança do eleitorado. Dele continuamos a ter a ideia do ser irrequieto, superiormente inteligente, irrascível, desbocado, mas também conciliador. Estamos perante um cidadão de convicções assumidas e sem pejo em ter grandes multidões contra si. É isto que ainda faz dele uma pessoa diferente. As últimas intervenções políticas foram muito criticadas, mas afirmou-as contra o status quo e contra as opiniões dominantes. A idade não lhe deu apenas sabedoria, mas altivez para afirmar o que os outros não queriam. Num momento de dor para Portugal, aqui fica um depoimento sentido.

Este é também o momento de olharmos para a política, os políticos e o sistema. Soares teria feito o exame se estivesse no ativo. É necessário discutir-se o conceito das primárias na política. E a primeira questão quando estamos a 18 meses das autárquicas é perguntar por que é que os candidatos a presidentes de Câmara não são escolhidos via primárias?

Este modelo permitiria escolher os melhores e não as cúpulas dos partidos. Aliás, a história das primárias tem vindo a ser defendida pelo dirigiente socialista Daniel Adrião. O tema volta a ser quente quando sabemos que menos de metade dos cidadãos com poder de exercer o direito de voto o fazem realmente. O que se vê por toda a Europa é dificuldades de integração do atual sistema político-partidário nos interesses do eleitorado. A resposta dos cidadãos é optarem pelas franjas, que são disruptivas, e isso significa uma reação contra o sistema atual. Os eleitores não querem o ‘mainstream’, querem eleger pessoas e não partidos. Este é o momento da rutura.