A realização da festa do Avante desencadeou debates à mesa do café, comentários prolongados nas redes sociais, arrastando comentadores e partidos políticos com falta de assunto, com um ponto final aposto pelo Presidente da República.

Durante semanas assistimos a um folhetim diário de inúmeros contornos, com o PCP a assumir a dimensão política da festa, em oposição aos frágeis argumentos contrários à sua realização, assente nos riscos de uma nova vaga de doença. O PCP vincou sempre a tradição da iniciativa, a sua autonomia de organização e o cumprimento rigoroso das regras da DGS, invocando espetáculos realizados dos quais não resultaram danos para a saúde pública. Ao contrário da festa comunista congénere em Espanha, que foi adiada face aos riscos, o encontro da Atalaia vai mesmo realizar-se.

Aparentando ter feito cedências, o Governo deixou-se enredar nesta discussão inútil. O episódio do parecer da DGS apenas veio manter viva a fogueira ideológica e os ódios do passado. Em certos momentos, os argumentos tecidos resvalavam para uma atitude primária de rancor que apenas alimentava a força com que o PCP se agarrava aos seus princípios partidários, para sustentar a realização da festa já num ponto tão desenvolvido que seria impossível recuar.

Estas atitudes replicam-se a propósito da nova novela em horário nobre que avança com uma crise política em período de prévia discussão do Orçamento do Estado para 2021. Em situação normal, desde julho que se deveriam estar a debater as opções do novo documento, para mais com um novo ministro das Finanças, após a deserção de Mário Centeno.

Face à situação difícil das finanças públicas, e em nome da pandemia que não dá tréguas, decidiu o primeiro-ministro António Costa interromper o calor estival com uma proclamação de vítima visando os parceiros da esquerda, cobrando responsabilidades políticas e empurrando todos os outros partidos para uma prateleira radical.

O Presidente lançou um balde de água fria sobre a dramatização e recusou subscrever qualquer crise, o que levou o secretário-geral do PS a baixar a sonoridade das tiradas no relançamento do ano político. Mas com isto se abriu o movimento de reconstrução da esquerda, suspenso em 2019. A falta de maioria conduzirá o PS à humildade e o Bloco a uma maior influência na ação governativa, tornando Portugal um país com o governo mais à esquerda numa Europa a radicalizar.

Enquanto o défice derrapa, o desemprego trepa, as empresas definham e as famílias anseiam, quando se esperariam medidas de recuperação, a concretização do Plano Costa Silva e a definição dos novos fundos europeus, não se assiste a uma discussão pública séria sobre os caminhos próximos. Nem o chefe do governo se manifestou preocupado, pois apenas lhe interessa o negócio político a que chegará com os partidos à esquerda.

Quem divide e afasta é o PS. Quem escolhe a esquerda e aliena o centro e a direita moderada é o primeiro-ministro. Argumentando com o combate à pandemia, o próximo orçamento assentará em pouca novidade, para além do que lhe impuserem os parceiros. É um regresso envergonhado à geringonça.