É nosso dever, enquanto sociedade, cuidarmos das camadas sociais mais desfavorecidas, seja na saúde, na educação ou no acesso a bens essenciais, nos quais se inclui a energia.

Parafraseando Franz Kafka: “A solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela dignidade humana”. Assim, numa altura de pandemia, de crise económica, mas também de transformação digital, de descarbonização da nossa sociedade, esta frase tem ainda mais impacto e representa um acréscimo de exigência para os nossos líderes.

A problemática da pobreza energética tem de ser assumida e, mais do que isso, tem de ser resolvida. Apesar do nosso clima ameno, e segundo os dados da União Europeia (UE) relativos a 2019, cerca de 19% da população portuguesa afirmou não ter possibilidades financeiras e técnicas de manter a sua habitação no clima ideal, quando a média dos países da UE neste mesmo estudo é de 7%.

Se é verdade que com a introdução da Tarifa Social, que se destina aos consumidores economicamente mais vulneráveis, conseguimos amenizar alguns dos efeitos económicos da pobreza energética, o desafio agora passa por ter esta camada social também protegida quando entramos na fase da produção descentralizada, do autoconsumo e das comunidades energéticas, do armazenamento e do desenvolvimento tecnológico nos instrumentos de eficiência energética.

Importa perceber que, à medida que cada vez mais portugueses vão ser produtores nas suas casas e nas suas empresas, o custo das redes será maioritariamente assegurado por quem as utiliza, ou seja, por aqueles que, ou por falta de informação ou de condições económicas, dificilmente terão acesso imediato a soluções de energia descentralizada.

Os desenvolvimentos tecnológico e digital aplicados a ganhos de eficiência serão também mais utilizados pelas classes sociais mais abastadas, deixando uma vez mais de fora todos aqueles que sofrem, já hoje, com a ineficiência energética nas suas habitações.

As entidades oficiais, Governo, autarquias, reguladores e empresas do sector devem olhar para esta problemática e apresentar uma solução suficientemente robusta, dinâmica e generalista que permita melhorar os índices de pobreza energética no nosso país.

Será que em 2021 ainda faz sentido a cobrança de uma contribuição audiovisual, que é uma taxa de 2,75€/mês para financiar a televisão e a rádio públicas, nas faturas de energia? O mundo mudou muito desde a data da criação desta taxa em 2003. Hoje, as televisões públicas devem financiar-se recorrendo a instrumentos diferentes. Não existem aliás no mundo desenvolvido muitos exemplos de taxas similares.

Não seria mais justo e mais apropriado termos toda ou uma parte deste valor destinado a promover o combate à pobreza energética, e a medidas para melhorar a eficiência energética ou o acesso ao consumo de energia mais sustentável às camadas sociais mais vulneráveis?

Será que não faria sentido existir uma clara vantagem fiscal para todos aqueles, empresas ou particulares, que ajudam no combate a estes desequilíbrios energéticos e socioeconómicos?

Embora o atual Governo já tenha dado em 2020 alguns passos para enfrentar a pobreza energética, como por exemplo com o programa de apoio “edifícios mais sustentáveis” com a alocação de 4,5 milhões provenientes do Fundo ambiental, o esforço foi ainda manifestamente insuficiente face a problemática em questão.

É certo que teremos fundos europeus, nomeadamente no Plano de Recuperação e Resiliência com financiamentos significativos em robustez e profundidade para a energia, e nomeadamente para enfrentar a pobreza energética, mas devemos garantir a desburocratização da sua aplicação e a eficácia e planeamento da sua utilização.

O importante é, como sociedade, irmos mais além, compararmos bem com países líderes e garantir que, também na energia, e à semelhança do que já acontece na saúde, na educação, na justiça e na defesa, nenhum português fica para trás no acesso digno a um bem público essencial.