A ideia de eventualmente se taxar lucros excessivos entrou na discussão política nacional. Trata-se de um tema recorrente na Europa e que, no mínimo, remonta à tentativa de taxar lucros excessivos de certas empresas devido aos efeitos externos da Primeira Guerra Mundial. Tendo surgido nessa altura, o tema reapareceu nas últimas três décadas através da aplicação extraordinária, pontual e limitada, por governos conservadores, trabalhistas e liberais em países como os EUA, Espanha, Reino Unido, Itália, ou a Roménia, para citar apenas alguns exemplos.

Em suma, estamos a falar de se tributar lucros caídos qual maná do céu, isto é, que não resultam das ações e decisões das empresas, mas que são o resultado de alterações exógenas de mercado, geralmente associadas à guerra e inflação elevada, e tendo por base de comparação o que era ‘normal’ antes, seja isso feito através de uma meta de retorno de capitais próprios, ou através de uma média dos lucros.

Isto dito, do ponto de vista da eficiência económica, estamos perante impostos interessantes, pois que minimizam alterações de comportamento das empresas (existe muito material empírico sobre isto, apesar da desinformação veiculada pelas centrais patronais/empresariais) e são simples de cobrar.

A pandemia, a guerra na Ucrânia, as políticas monetárias laxistas dos bancos centrais e a inflação daí derivada, criaram empresas e indivíduos que lucraram anormalmente, amiúde por sacrifício de outras partes da sociedade, nomeadamente as famílias e as empresas utilizadoras intensivas de energia.

É relativamente simples de compreender que os setores que beneficiaram pelo facto de termos ficado confinados (como por exemplo as plataformas de conteúdos digitais, os facilitadores de trabalho remoto, os produtores de vacinas e de máscaras, os entregadores de encomendas, o retalho alimentar), ou que beneficiaram da alta dos preços de energia (mormente os produtores e distribuidores), não tiveram especial mérito na obtenção do maná que lhes caiu do céu diretamente para o regaço.

Vem tudo isto a propósito dos anúncios de resultados, em alta significativa, por parte dos bancos. À vez, os presidentes executivos dos principais bancos, Paulo Macedo, Miguel Maya, João Oliveira e Costa, António Ramalho e Pedro Castro e Almeida, tentaram desmistificar o tema.

De forma resumida, uma boa parte dos lucros dos bancos deriva da anulação de provisões relacionadas com expetativas de imparidades resultantes da pandemia e das moratórias. Moratórias que foram, importa recordar, verdadeiro serviço público, não remunerado, prestado por bancários e bancos. Setor financeiro que, com a bomba-relógio que se previa apocalíptica das moratórias, ainda teve que se confrontar com um Adicional de Solidariedade para suportar os custos da pandemia (de que ele seria o setor potencialmente mais afetado), em complemento à Contribuição Extraordinária (que passou a ordinária, ad aeternum), IRC, não dedução de IVA, contribuições para fundos de resolução, tudo isto numa panóplia ineficiente e moralmente absurda.

Como ficou implícito nas declarações dos presidentes executivos dos bancos, a remuneração dos capitais próprios das instituições de crédito, fruto de uma política de taxas diretoras negativas, veio provocar na última década um nível historicamente baixo de retorno de capital. E mesmo o recente aumento da rendibilidade apenas permite tornar o setor mais atrativo nos mercados de capitais que sustentam a sua modernização e expansão.

Ou seja, é pura demagogia confundir os lucros anormais de plataformas de motoristas com os lucros ‘normais’ dos bancos. Mas também é pura demagogia que os mesmos bancos, e algumas centrais sindicais, tenham alinhado em atualizações de salários e pensões para 2022 que são dez vezes inferiores ao nível da inflação, numa concertação que deixa os trabalhadores bancários mais pobres e os acionistas mais ricos. Poderemos esperar dos presidentes executivos dos bancos o mesmo nível de preocupação com os seus trabalhadores que têm com a tentativa de se taxarem como anormais os lucros normais da banca?

Era esta a questão que a imprensa, os poderes públicos e os cidadãos deveriam ter feito aquando das apresentações de resultados.