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Teixeira dos Santos e a queda do Lehman Brothers: Governo foi apanhado de “surpresa”

O economista e atual presidente do Eurobic liderava o Ministério das Finanças quando o Lehman Brothers desmoronou, apanhando-o de surpresa. O que se seguiu foi o medo do contágio, que o levou a garantir que os depósitos dos portugueses estavam seguros.
15 Setembro 2018, 11h30

A passagem de Fernando Teixeira dos Santos pelo Ministério das Finanças de Portugal ficou marcada pela crise financeira, que acabou por culminar no pedido de resgate à troika, em 2011. Três anos antes, o economista já se via a braços com um problema sério, quando – admite – foi apanhado de surpresa pela falência do Lehman Brothers. Em entrevista ao Jornal Económico, recorda os planos de contingência a que o então governo de José Sócrates e as instituições europeias foram obrigados para prevenir o pânico.

 

Como é que assistiu à falência do Lehman Brothers?

A falência do Lehman Brothers foi um sinal claro que a crise financeira, que se tinha iniciado no verão de 2007, não se ia dissipar, contrariamente àquilo que se esperava no verão de 2008. Recordo até que no verão de 2008, o Banco Central Europeu (BCE) subiu as taxas de juro porque estava mais preocupado com o agravamento da inflação do que propriamente com as consequências da crise financeira iniciada no ano anterior.

No momento em que a expetativa era que a crise do subprime e os efeitos em cadeia estivessem a ser ultrapassados e se fossem dissipando, a falência do Lehman Brothers foi uma pedrada no charco. Foi um choque importante, porque mostrou claramente que estávamos longe de ter ultrapassado essa crise e que as consequências no sistema financeiro seriam muito mais gravosas. Lembro-me que uma expressão que se usava muito nas reuniões internacionais era o meltdown do sistema financeiro. No fundo, um risco de colapso sério.

 

Qual foi a reação?

A falência veio adensar a perceção de risco em relação às instituições financeiras. Principalmente no âmbito do mercado monetário interbancário, onde os bancos se relacionam entre si, havia a perceção que a contraparte podia estar num risco sério e as operações nesse mercado sofreram uma grande contração. Por outro lado, o recurso aos mecanismos de financiamento do BCE, por exemplo, aumentou de forma muito considerável, o que era um sinal que o mercado monetário interbancário praticamente secou. Deixou de funcionar, não havia financiamento nesse mercado e o financiamento passou a ser assegurado pelo BCE.

Além de um sinal de crise séria no sistema financeiro e, em particular, no sistema interbancário, veio ainda adensar mais a crise económica que já se tinha iniciado. Depende um pouco de país para país, mas, grosso modo, na segunda metade de 2008 já se constatou alguma desaceleração do crescimento económico, que era a onda de choque da crise do subprime de 2007. Perante a falência do Lehman Brothers, esta desaceleração torna-se efetivamente numa recessão. Caímos em terreno negativo em termos de crescimento, e depois 2009 foi um ano de forte recessão.

 

Percebeu logo o impacto que iria ter?

Tentando situar-me nos dias ou par de semanas posteriores à falência do Lehman Brothers, a perceção era que o sistema financeiro poderia de facto sofrer uma onda de choque forte, daí a necessidade de estarmos preparados no sentido de assegurar o mais possível o normal funcionamento do sistema financeiro e, em particular, dos bancos. Havia receio de uma situação de colapso e de descontrolo completo, mas também havia muita dificuldade em perceber todas as implicações em termos económicos. O que se veio mais tarde a constatar – essa forte recessão e forte impacto nas economias –, nessa altura ainda estávamos longe de perceber e até de poder prever plenamente que ia acontecer.

Recordo-me, por exemplo, que, em finais de 2008 e inícios de 2009, a Comissão Europeia, a OCDE e o Fundo Monetário Internacional foram-nos dando, quase mensalmente, revisões em baixa das previsões de crescimento, porque a cada semana que passava, a situação ia-se agravando. Essas instituições sentiram essa necessidade, contra o que é hábito. Quando nos facultam as suas previsões, não o fazem com essa frequência. Houve uma onda de revisões em baixa das previsões de crescimento que revelam bem o quão difícil foi prever a onda de choque desta crise financeira agravada pela falência do Lehman Brothers na economia.

 

Quando é que percebeu que ia acontecer?

A falência do Lehman Brothers surgiu com uma certa surpresa. Havia contactos com as autoridades norte-americanas, mas ao nível do governo português, não acompanhávamos o assunto. Na altura, a decisão das autoridades norte-americanas de não viabilizarem o Lehman Brothers e, no fundo, de aceitarem a falência foi algo surpreendente.

 

E quando soube? Falou com o primeiro-ministro José Sócrates?

Foi há dez anos e, sinceramente, não me recordo. Certamente comentámos que era um sinal de agravamento da crise. Obviamente que essas preocupações sobre o sistema financeiro foram faladas, e até acompanhando o que foi a reação a nível europeu e norte-americano. Foi lançada uma série de mecanismos de apoio para evitar esse tal colapso do sistema financeiro.

Na altura, fiz uma declaração – que foi, sem dúvida, acertada com o primeiro-ministro – sobre os depósitos dos portugueses estarem seguros nos bancos. Precisamente para evitar qualquer situação de pânico e que as pessoas pudessem perder dinheiro no banco.

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