First draft of history. A frase, atribuída a Philip L. Graham, presidente e publisher do “Washington Post”, é utilizada frequentemente (e bem)nas aulas de jornalismo para explicar uma das grandes vantagens da profissão: a possibilidade de testemunhar em direto o desenrolar da História.

O problema é que, na maioria dos casos, nunca é assim tão simples, pois esse rascunho é sobre narrativas complexas, interligadas e longas. Há dias em que se percebe isso de forma mais clara, em que o cruzamento de vários ângulos ao longo do tempo cristalizaram.

A segunda-feira passada foi um desses dias. Ao mesmo tempo que víamos as peripatéticas explicações de Luís Filipe Vieira na Comissão Parlamentar de Inquérito às perdas do Novo Banco, na condição de presidente da Promovalor, empresa que gerou perdas de 180 milhões de euros ao banco, recebíamos duas outras notícias relacionadas.

A primeira, que o antigo presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, vai começar a ser julgado por três crimes de abuso de confiança, no âmbito da Operação Marquês, a 7 de junho, era uma notícia esperada, mas importante na mesma, naturalmente.

A segunda foi que a TAP pediu a insolvência da Groundforce, a empresa na qual tem como parceiro maioritário Alfredo Casimiro, que também liderou a Urbanos, grupo de logística que recorreu em 2016 ao Plano Especial de Revitalização, com dívidas de 44,6, milhões de euros, 7,5 milhões dos quais, adivinhem a quem… ao Novo Banco.

A saga de empresa de handling é realmente uma história triste de como a confusão aliada a algum azar pode deitar tudo por terra. A privatização feita de forma, no mínimo, estranha, colocou como parceiros players que provavelmente não deveriam estar juntos.

Em 2020, tocou à porta a má fortuna, na forma de pandemia, e tornou uma empresa viável e rentável numa organização em aperto financeiro.

Seguiram-se episódios lamentáveis, atrasos nos salários, insultos entre administradores, destituições, tentativas de ir buscar dinheiro aos fundos de pensões e, até, um processo por gravação de conversa com um governante.

Pior que isso tudo foram os atrasos nos pagamentos de salários aos trabalhadores, que devem estar a passar estes dias com um nó na garganta, isto depois de meses em lay-off. A solução vai passar, com bastante probabilidade, por uma venda a um player internacional, que vai comprar uma empresa com relevância num sector que é chave na recuperação da economia, o turismo, e, provavelmente, a preço descontado e com condições vantajosas.

A solução para resolver os problemas de tesouraria da Groundforce – a obtenção de um empréstimo de 30 milhões de euros da Caixa e do Banco Português de Fomento – caiu por terra, porque a empresa não tem um plano de reestruturação profundo, porque não está garantida a disponibilidade financeira robusta dos acionistas e porque a validade das licenças emitidas pela ANAC para a Groundforce operar nos aeroportos nacionais vencem entre 2023 e 2025.

Num altura em que se discutem no Parlamento perdas de centenas de milhões de euros em empréstimos que foram para o buraco do banco mau BES e do menos mau Novo Banco, e em que se atiram centenas de milhões para resgatar a TAP, foi impossível arranjar 30 milhões de euros e um plano para salvar uma empresa que tem 2.400 trabalhadores.

Os problemas da Groundforce não foram diretamente causados pelo colapso do BES, mas sejamos claros, não estamos a falar de universos separados. Até porque, como se viu na segunda-feira, a queda do banco do ‘Dono Disto Tudo’ foi tão estrondosa que abalou toda a estrutura da economia portuguesa.