A frase é de Grócio, considerado o pai do Direito Internacional, foi afirmada no séc. XVII e tenho-me lembrado dela nos últimos dias.

No momento em que escrevo, o conflito avança com uma notável capacidade de resistência da Ucrânia e uma impressionante unidade em torno da condenação da Rússia, descontados os seus aliados da parte do mundo que não é livre. E, no entanto, o conflito não tem fim à vista e as soluções jurídicas parecem ter encontrado o seu limite.

Como é sabido, a utilização da força é permitida no Direito Internacional apenas no âmbito de uma ação coercitiva decidida pelas Nações Unidas ou em legítima defesa.

As ações coercitivas só podem ser desencadeadas por ordem do Conselho de Segurança. É este que decide da sua necessidade – em face de uma agressão ilícita por parte de um Estado, por exemplo – e é ele também que assume o comando último das operações. A NATO só pode, assim, contribuir para uma intervenção militar deste tipo se mandatada pelo Conselho de Segurança.

Acontece que a Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança (em fevereiro, ironicamente, exerceu a presidência do órgão), pelo que tem direito de veto. É certo que a Carta das Nações Unidas prescreve que o Estado que for parte numa controvérsia se absterá de votar, mas essa regra há muito que não é observada. Mesmo que o fosse, o resultado não seria diferente tendo em conta o provável veto da China.

A legítima defesa é reconhecida a qualquer Estado que tenha sido atacado, e a Ucrânia tem respondido aos ataques com bravura. É admitida também a legítima defesa coletiva, por exemplo no quadro da NATO, mas apenas se algum dos seus membros for atacado, o que, por enquanto, ainda não aconteceu. Para já, mantém-se alerta nos territórios dos seus Membros que fazem fronteira com a Ucrânia.

Dir-se-ia, por isso, que se esgotaram as soluções jurídicas de resposta ao conflito, ficando exposta a impotência do Direito Internacional quando a sua violação tem por protagonista um dos decisores qualificados, um membro permanente do Conselho de Segurança. Ecoa nos nossos ouvidos a voz do Presidente Zelensky na semana passada: “estamos sozinhos”.

Esta não é, porém, a primeira vez que estamos diante deste impasse. Aliás, os últimos dias têm sido surpreendentemente evocativos do período da Guerra Fria, durante o qual, com um Conselho de Segurança totalmente polarizado, um terceiro conflito mundial foi evitado apenas por meio da dissuasão nuclear.

Não por acaso, uma resolução adotada pela Assembleia Geral durante o período da Guerra Fria foi novamente agora invocada e permite-lhe pronunciar-se sobre conflitos quando o Conselho de Segurança se mostrar incapaz de agir. Ainda que não possa substituir-se a este na decisão sobre uma ação militar, o contributo da Assembleia para adotar resoluções persuasivas que isolem ainda mais Putin (a somar-se às declarações do Secretário-Geral e à declaração do Comité de Direitos Humanos) não deve ser menosprezado.

Já depois da queda da União Soviética, no final do séc. XX, uma outra guerra às portas da Europa, nos Balcãs voltava a expor a incapacidade do Conselho de Segurança, de novo bloqueado pelo veto da Rússia. Dessa vez a NATO acabou por intervir sem prévio mandato, numa ação que, todavia, se viria a revelar decisiva para pôr fim ao conflito e que foi justificada por motivos humanitários. Não é impossível conceber numa ação semelhante da NATO neste momento, embora haja que contar com o risco da ameaça nuclear russa. E confiar no efeito meramente dissuasor desta é jogar, literalmente, a roleta russa.

Eis as razões pelas quais o conflito na Ucrânia é um teste à confiança no Direito Internacional. Para quem procura ensinar os seus alunos a acreditar na sua vitória sobre a força, o dilema não podia ser mais angustiante.