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Tomás Correia sai ao fim de 16 anos da Associação Mutualista Montepio Geral

A Associação Mutualista que Tomás Correia deixa neste domingo, dia 15, é uma associação que está a perder associados. O histórico presidente da Mutualista foi ovacionado por mais de 2 mil colaboradores no almoço de natal. O futuro do grupo Montepio Geral começa agora.
15 Dezembro 2019, 12h15

António Tomás Correia, administrador da Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) desde 2004, abandona hoje o cargo de presidente da mutualista, que ocupa desde 2008, para dar lugar a Virgílio Lima, que fazia parte da sua equipa cujo mandato acaba em 2021.

O seu discurso no almoço de natal deste sábado foi emocionado e apesar de todas as quezílias internas foi ovacionado pelos mais de 2.000 colaboradores presentes no almoço, relatou ao Jornal Económico uma fonte que esteve presente. Tomás Correia recebeu o pelicano de ouro das mãos do Padre Vítor Melícias, Presidente da assembleia geral da Associação Mutualista Montepio Geral.

A Associação Mutualista que Tomás Correia deixa neste domingo, dia 15, é uma associação que está a perder associados. No Programa de Ação e Orçamento 2020 da AMMG, documento que será votado na assembleia geral de 30 de dezembro, a instituição anuncia que a base de Associados atingia 604.681, no final do passado mês de setembro, estimando que se mantenha neste número até final do ano. Os associados no final de 2018 atingiam os 613 mil. As saídas de Associados, até ao final de setembro, totalizaram 27.186 e as entradas de novos associados foram de 19.260, insuficientes para inverter o decréscimo da base associativa.

A questão essencial das contas anuais focar-se-á em dois pontos: os proveitos e as imparidades para subsidiárias. Confirma-se uma melhoria das receitas associativas e, consequentemente, dos resultados inerentes a associados? Até setembro os proveitos inerentes a associados, decorrentes das poupanças mutualistas captadas (que incluem, jóias, quotas e capitais aplicados) “atingiram o montante de 497 milhões de euros – para o que contribuiu a emissão de 31 séries da modalidade Montepio Capital Certo no montante de 309 milhões de euros – estimando-se que, no final do ano, se venha a atingir um valor global de 658 milhões de euros”, refere o Programa de Ação para 2020 .

O outro tema é se os auditores vão obrigar a AMMG a reavaliar o valor do Banco Montepio nas contas consolidadas e se essa reavaliação obriga ao aumento de imparidades.

O futuro do Grupo Montepio começa agora. Haverá novos acionistas para o Banco Montepio para reforçar os capitais do banco? Estará o banco nas mãos da Caixa Geral de Depósitos em 2021? Estas são algumas das questões que pairam no mercado.

Guerras palacianas

Tomás Correia sai numa altura em que a Associação, que nasceu nos anos 40 do século XIX, se depara com guerras palacianas ao estilo shakespeariano. O xadrez político jogou-se até às últimas reuniões do presidente da Mutualista.

Na última reunião do conselho de administração da mutualista foi discutida uma “redefinição” das funções da Fundação Montepio, que tinha Tomás Correia como líder. A reunião foi em petit comité, onde estavam os cinco membros do Conselho de Administração, mas o Observador relatou todos os detalhes do que lá se passou. Segundo o jornal online, embora não se tenha falado do orçamento da Fundação de forma explícita, ficou claro que uma ampliação do alcance da Fundação passaria, naturalmente, por uma multiplicação da dotação prestada pela mutualista, que é atualmente de um milhão de euros por ano. Mas três dos (então) cinco administradores mataram a proposta à nascença.

Tomás Correia já tinha saído da reunião quando o tema terá sido discutido. O Jornal Económico sabe que Tomás Correia não vai ficar à frente da Fundação Montepio, que deverá ser liderada pelo presidente da Associação, Virgílio Lima.

O Observador relatou que quem apresentou ao conselho de administração da mutualista um documento para que se repensasse o papel da fundação liderada por Tomás Correia foi Luís Almeida, antigo presidente-executivo do Finibanco Angola. Mas essa proposta de revisão do papel da Fundação acabou por nem ser votada, porque os outros três administradores (Virgílio Lima, indigitado para novo presidente, Carlos Beato e Idália Serrão) terão defendido que aquela proposta não fazia sentido na medida em que os atuais estatutos da Fundação Montepio já têm o alcance suficiente para que as várias iniciativas de solidariedade social possam ser levadas a cabo.

Estes e outros episódios testemunham o ambiente que se viveu no grupo Montepio nos últimos anos. Tomás Correia sai “cansado”, queixando-se de ter “muitos inimigos”, de ter “falta de apoio do Governo”, e de ser perseguido pelos jornais.

A estucada final foi a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) ter mostrado reservas a aprovar a sua idoneidade, depois de o governo ter alterado lei para pôr o regulador dos seguros a avaliar imediatamente a administração da Associação Mutualista Montepio Geral. Pois em março deste ano o Conselho de Ministro aprova um decreto-lei que clarifica o código das associações mutualistas e que determina que a ASF já pode avaliar idoneidade de Tomás Correia.

Antes o Banco de Portugal, no início do ano, acusara Tomás Correia de 20 contraordenações por violações da lei bancária ocorridas entre 2009 e 2014. e multa-o em 1,25 milhões de euros por irregularidades apontadas enquanto presidente da Caixa Económica (2008-2015). O agora designado Banco Montepio foi também multado em 2,5 milhões. Com Tomás Correia são multados outros sete administradores executivos – José Almeida Serra, Álvaro Dâmaso, Eduardo Farinha, Rui Amaral, Paulo Magalhães, Jorge Barros Luís e Pedro Ribeiro. Ao todo, somam 4,8 milhões de euros.

O BdP acusou António Tomás Correia de ter sido autor “a título doloso” no “incumprimento do dever de implementar e assegurar um sistema de controlo interno adequado e eficaz no âmbito da função de gestão do risco de crédito praticada entre 1 de janeiro de 2009 e 3 de junho de 2014”; por ter sido autor, a título doloso, da violação da lei bancária (RGICSF) por “apreciação e decisão de cinco operações de crédito, concedidas a sociedades de que era igualmente gestor, agindo em conflitos de interesses”; por ter apreciado e aprovado “operações de concessão de crédito, sem que tivessem sido previamente emitidos pareceres favoráveis do órgão de fiscalização”, entre outras infrações. Mas em setembro o Tribunal do Comércio de Santarém – Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) decretou a nulidade. O juiz considerou que foi violado o direito à defesa na fase administrativa, e assim determinou a anulação da acusação e das coimas e a devolução do processo ao Banco de Portugal, para que este profira “nova decisão isenta dos vícios que decretaram a sua nulidade”.

Todos contra Tomás Correia levaram-no a pedir escusa do cargo saindo antes do fim do mandato para o qual estava eleito.

Para trás ficam duras divergências dentro do grupo, já que cada pessoa de confiança que escolheu acabou por se sentir traído por ela, incluindo José Félix Morgado e Carlos Tavares.

Foi conotado como aliado de Ricardo Salgado no ecossistema da banca portuguesa, por o Montepio ter partilhado com o BES algumas operações de financiamento dos mesmos clientes, incluindo o polémico construtor José Guilherme, que deu liberalidades de 14 milhões de dólares a Ricardo Salgado. Mas é Tomás Correia quem diz que “ao longo de toda a minha vida não almocei mais do que cinco vezes a sós com presidentes de outros bancos”, segundo declarações ao Jornal Sol.

Foi também associado à Maçonaria e foi tido como protegido do Partido Socialista. Pode dizer-se que Tomás Correia, que teve sempre como bandeira a economia social, atravessou o século XXI sob suspeita.

Pelo caminho ficaram algumas operações polémicas, desde a compra do Finibanco 40% acima do valor de mercado, à entrada da Santa Casa da Misericórdia e outras IPSS no banco, passando pelas contas da Mutualista que em 2017 teve lucros que permitiram que o capital próprio saísse de valores negativos graças a um crédito fiscal de mais de 800 milhões de euros. Num ano em que a Mutualista registou um lucro de 587 milhões de euros, esta entidade teve o aval Autoridade Tributária no pedido de deixar de ter uma isenção de impostos, apesar de manter o estatuto de IPSS. Assim, e apesar de passar a ter de pagar IRC, a mutualista pode usar créditos fiscais: os ativos por impostos diferidos. Isso permitiu uma melhoria de 808,6 milhões de euros nas contas.

 

O resistente que enfrenta adversidades desde a infância

Tomás Correia entrou no Montepio em 2004 pelas mãos do então presidente José da Silva Lopes e assumiu a presidência da mutualista quatro anos depois, na sequência da reforma do presidente. Desde então manteve-se à frente da Associação Mutualista, e de acordo com o próprio, impulsionou, em 2012, a separação estatutária entre a Associação Mutualista e a Caixa Económica Montepio Geral, hoje conhecida como Banco Montepio, que gere o negócio bancário.

Nasceu em 1945 e protagoniza a figura do self-made-man que trabalhou desde a infância, definição que ostenta com orgulho. Foi “ratinho da lezíria”, designação dada às crianças que trabalhavam na agricultura e que é o retrato de uma infância na pobreza, em que alternava a escola com os trabalhos na lavoura em Pedrógão Grande. Os estudos em Lisboa, foram à noite, e pagos com o que ganhava numa oficina, a trabalhar como bate-chapas. É o retrato perfeito do homem que trabalhou de sol a sol para chegar aonde chegou.

Como o próprio diz fez a sua carreira na banca “por acidente” na Caixa Geral de Depósitos, onde passou de administrativo a membro do Conselho de Administração.

Tomás Correia foi presidente entre 2008 e 2015 do banco Caixa Económica Montepio Geral (atual Banco Montepio) tendo acumulado os cargos de presidente da Mutualista e da Caixa Económica até 2015, quando José Félix Morgado assumiu a presidência do banco, ficando Tomás Correia aos comandos da mutualista.

Ao longo dos anos foi sempre enfrentando oposição à sua liderança no grupo Montepio e sempre a desacreditou. Contou com um enorme apoio dos mais de 600 mil associados que o elegeram sempre com larga maioria.

Os mais de 600 mil associados, apresentam-se como acionistas e clientes do banco e, no final do ano, têm direito a receber dividendos consoante os resultados da associação. Por causa desta ligação umbilical entre os produtos da mutualista (que não são depósitos) e os clientes do banco, em 2017 a instituição liderada por Carlos Costa exigiu a separação entre a Caixa Económica e a Associação mutualista, incluindo na marca.

(Atualizado com informação de que Tomás Correia não vai ficar à frente da Fundação Montepio)

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