Há umas semanas, um colega inglês perguntou-me numa call de trabalho se havia bons vinhos em Portugal, pois, por ser casado com uma espanhola, conhecia os “bons” Rioja e Cava do país vizinho.

Como qualquer português que gosta do que é nacional, ripostei de imediato com um “estás a brincar, não estás?” e lá expliquei que temos bons vinhos e que o mercado tem vindo a crescer nos últimos anos, com mais produtores e produtos de maior qualidade.

O desconhecimento deste colega é, infelizmente, o desconhecimento de países e cidadãos que andam por esse mundo fora. Ainda a respeito do vinho, é verdade que as exportações têm aumentado anualmente, para bem dos produtores e das nossas regiões demarcadas. No entanto, percebe-se que há ainda muito a fazer na forma como comunicamos para fora e na força que damos às nossas marcas.

Numa pesquisa rápida no google por “vinho do Porto Espanha” encontram-se garrafeiras, sites com cursos ligados a bebidas, entre outros, onde é possível ler-se, por exemplo, “Jerez – o vinho do Porto de Espanha”. Se não acredita, pesquise.

E é aqui que entra o recente caso que se tornou mediático a nível mundial por causa, primeiro, das camisolas dos pescadores da Póvoa de Varzim e, depois, de loiças de Bordallo Pinheiro e do logótipo de Nuno Gama. Tudo provocado pela mesma autora: a estilista norte-americana Tory Burch.

O marketing e buzz gerados à volta destes produtos nacionais por causa da estilista – com 250 lojas em nome próprio e que tem a sua marca em mais de 3.000 lojas, poupou-nos muitos milhares ou até milhões de euros em campanhas que, provavelmente de outra forma, não aconteceriam.

Não se trata de defender marcas, até porque esta não é a primeira vez que as “inspirações” da estilista dão que falar por representarem plágios descarados de peças de terceiros. O que aqui importa analisar é a falta de valor que damos ao que é nosso e a falta de peso de algumas das nossas marcas.

A camisola que a estilista achava ser de inspiração mexicana, e que custava cerca de 700 euros no seu site, é semelhante (aqui significa igual) à que é feita à mão, em lã, na Póvoa de Varzim e que pode custar entre 50 e 80 euros. Burch viu valor neste produto e colocou-o à venda por um preço muito superior. Já por cá, cada artesã demora, em média, 50 horas a finalizar uma peça e, contados os custos, recebem uma ninharia – lia numa reportagem que era cerca de 1€/hora. Nem sei quantas camisolas destas conseguem vender por ano, pois quem as vê vai, provavelmente, achá-las caras. É o costume.

Também é costume, quando viajo para fora, procurar produtos e marcas nacionais e, infelizmente, continua a ser habitual ter dificuldades em encontrá-los, apesar dos esforços reconhecidos dos produtores, das entidades nacionais e até das Câmaras de Comércio.

O caso de Burch é apenas mais um. Acredito que se estivermos mais atentos vamos encontrar mais inspirações como esta. Porque descuidamos, ou cuidamos pouco, do que é nosso. Será que a Câmara da Póvoa de Varzim e o Governo mais do que estarem ofendidos com a estilista e preocupados com processos judiciais, têm apoiado o suficiente estas marcas? Quantos portugueses conheciam as camisolas antes deste episódio? Quantos adquiriram uma ou apoiaram as artesãs?

Se ainda não ouviu falar em bens intangíveis então devia pesquisar um pouco sobre o assunto, pois também entram nesta história. Como o nome indica, é algo que não é físico, como o reconhecimento de uma marca, propriedade intelectual, patentes, direitos de autor, entre outros. No final de 2020, o valor intangível – gerado por ativos intangíveis – das 10 maiores empresas do mundo, analisado pela Brand Finance, ultrapassava os 10 biliões (trillions na terminologia anglo-saxónica) de dólares.

Se queremos potenciar o que é português, precisamos de marcas fortes. Precisamos de uma estratégia conjunta que proteja, por um lado, e apoie, por outro, a expansão e divulgação dessas marcas e dos seus produtos e serviços. Que as reforce e impeça abusos como este de que fomos alvo e que está a revoltar tantos portugueses. Para que a inspiração de uns e os seus ativos intangíveis não sejam o puro plágio ou roubo de outros, mais pequenos e incapazes de fazerem frente.

Podemos simplesmente baixar os braços e concluir que é a eterna luta entre David e Golias. Mas combater os mais fortes pode também ser uma arte. E por isso, parece-me que devíamos eleger Tory Burch a marketeer de Portugal, pela divulgação que fez da nossa Cultura e dos nossos produtos.