A sucessão de acontecimentos do assalto a Tancos tem de deixar o primeiro-ministro preocupado perante as fragilidades das instituições do Estado. Especialmente quando, um ano depois, ainda não há detidos pelo assalto, embora já existam detidos pelo eventual encobrimento.

Ninguém pode ficar indiferente perante as evidentes vulnerabilidades de organização e autoridade do Estado. Nem se entende, pela gravidade, que não tenha sido prioridade absoluta. Não pelo crime, mas pela perda de confiança nas instituições.

Este enredo dava um filme. No lusco-fusco de uma tarde de verão algumas sombras passam por um portão de uma instalação militar. Enquanto um dos assaltantes abre, com perícia, a fechadura do edifício, o outro olha para a linha do horizonte temendo que a patrulha volte antes do tempo previsto, apesar de saber que a vedação e o portão eram frágeis e que não havia vídeo. Em minutos apoderam-se do que buscam e regressam na viatura pelo caminho anteriormente percorrido. Quando o alarme soa já os assaltantes se encontram a alguns quilómetros. Ninguém os persegue…

… E todos parecem desconhecer como aconteceu. Os protagonistas políticos exigem respostas em visitas às instalações. Estas tardam. Meses passados, denúncia telefónica anónima leva duas forças militares distintas a local descampado, onde se encontra material de guerra que se duvida que coincida com o produto do assalto.

O Presidente da República, ciente da gravidade da situação, exige respostas. Inicia-se então um processo público digno de uma investigação de Hercule Poirot. Surge a teoria de um eventual encobrimento com a pretensa cumplicidade de militares e uma história fantástica de lealdades, solidariedades e mistificações.

Cai um ministro e sai um chefe de estado-maior. E cada vez mais a autoridade do Estado é desafiada. Não obstante, os acontecimentos sucedem-se vertiginosamente. As cortinas de fumo erguem-se e a confusão instala-se. Politiza-se o caso. Sugere-se o conhecimento de altas figuras do Estado como forma de desviar atenções.

De repente, o crime inicial resultante do assalto passa para o plano secundário, quando deveria ser a prioridade. É daqui que deriva a ferida na instituição militar, quando a segurança é posta em causa. Situação igual aquando do desaparecimento de meia centena de pistolas da PSP, tendo sido recuperadas menos de uma dezena, supostamente em mãos de traficantes. E não tardou que se juntassem as duas histórias. E estórias não faltaram, desde vinganças internas a chamadas de atenção para as fragilidades do sistema, embora poucos duvidem da proximidade ao crime organizado.

Poirot, exercitando as suas células cinzentas, mostra-se estupefacto. Para conhecer a situação, precisa de informações claras e verdadeiras e não de “fake news”. E o enredo cresce para que se salvem alguns, infestando o sistema.

Independentemente do desenlace, exige-se que o processo sirva para retificar os procedimentos e os sistemas de segurança interna e para repor a autoridade. Convictos de que a confiança só regressará quando o crime ficar esclarecido. Sem ser em filme.