[weglot_switcher]

“Transição energética e digital não pode resultar na deterioração económica e social”

As revoluções verde e de inteligência artificial que se avizinham devem beneficiar e não prejudicar os cidadãos, defendeu hoje o presidente da CMVM.
  • Cristina Bernardo
23 Maio 2023, 11h22

As transições energética e digital são verdadeiras revoluções das sociedades modernas, mas têm de beneficiar os cidadãos e não os prejudicar. A mensagem foi enviada hoje pelo presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

Entre os cinco desafios enumerados, destacou que é preciso “concretizar a transição energética e também digital, de uma forma que não se traduza em deterioração dos níveis de bem-estar económico e social. A questão não é tanto se fazemos a transição, porque ela acabará por ser feita, mas sim como e com que consequências a fazemos”, disse hoje Luís Laginha de Sousa na conferência anual da CMVM.

Outro dos desafios identificados é a necessidade de “assegurar a estabilidade financeira e prevenir a acumulação e materialização de risco sistémico num contexto, caracterizado por um período de inflação e taxas de juro elevadas e de grande instabilidade geopolítica. Trata-se de um pressuposto essencial para que os agentes económicos possam tomar, de forma racional, as suas decisões de consumo, de poupança e também de investimento, e que por isso impacta o funcionamento de toda a economia”.

Depois, defendeu a necessidade de “atrair e reter talento, sobretudo num contexto de uma economia cada vez mais global, com elevada mobilidade do trabalho qualificado, potenciada por novas formas de trabalho à distância. Os números sobre esta realidade no nosso país não dão margem para dúvida”.

Em quarto, alertou para a necessidade de “garantir a sustentabilidade das pensões de reforma em moldes que evitem fortes quebras de rendimento após a saída da vida ativa. E sobre isto gostaria que retivessem um número: 56,7%. O número traduz o rácio de dependência de pessoas idosas que se estima para 2050 na Europa. Este rácio significa que, para uma pessoa acima dos 65 anos de idade, existirão menos do que duas pessoas em idade ativa (dos 20 aos 64). Portugal está no grupo dos países da União Europeia com piores dados neste domínio. O sistema de pensões tal como está não irá suportar a taxa de substituição que hoje conhecemos”.

Por último, apelou para a necessidade de “aumentar a produtividade e competitividade para assegurar o crescimento económico, três variáveis que são imprescindíveis e indissociáveis”.

Neste sentido, defendeu uma maior aposta no mercado de capitais. “As empresas são o principal instrumento de criação de riqueza da sociedade em que nos inserimos, o mercado de capitais é o meio através do qual podemos não apenas canalizar os recursos adequados para as empresas, mas também permitir que todos os cidadãos possam aceder ao seu potencial de retorno, como o exemplo sueco bem o demonstra. Por isso, tratar bem o capital que não tem pátria é importante, mas apesar de importante, não basta. É também importante tratar bem o capital dos nossos compatriotas.”

Desta forma, Luís Laginha de Sousa fez uma comparação entre Portugal e a Suécia. “Em Portugal, são cerca de 1,2 milhões de indivíduos que são detentores de instrumentos financeiros. Se tivermos presente que só 4.445 (num total de 5,5 milhões) agregados familiares têm um rendimento bruto igual ou superior a 250 mil euros, e só 23.849 é que estão no escalão mais alto do IRS (correspondente a um rendimento superior a 80.640 euros) facilmente percebemos que se tratarmos mal o capital tratamos mal a poupança de muitos cidadãos que estão longe, mas mesmo muito longe, de poderem ser considerados capitalistas”.

“Os depósitos representam 60% do investimento em produtos financeiros em Portugal. Na Suécia, que tem uma população da dimensão da portuguesa, mais de 80% do investimento em produtos financeiros está noutros instrumentos que não depósitos. Adicionalmente, mais de 2 milhões de suecos investem em ações de empresas suecas”, acrescentou.

“O mercado de capitais é o espaço onde as empresas e os investidores se podem encontrar, mas o encontro só se faz e só produz resultados se existir uma base de confiança suficientemente ampla e sólida. Confiança nas empresas, nos seus projetos, na sua governance. Confiança nos intermediários, nos operadores de mercado, nas entidades gestoras, nos auditores. Confiança na informação que é prestada. Confiança na capacidade de escolha dos cidadãos, perante informação fidedigna e transparente, sobre os produtos financeiros existentes e com base em aconselhamento isento”, considerou.

Luís Laginha de Sousa garantiu que a CMVM permanece “absolutamente dedicada a promover a proteção dos interesses dos investidores. Essa proteção é efetuada através da supervisão que queremos adaptar de forma ágil e contínua às tendências que vão sendo observadas. A recente e inovadora supervisão relativa a perceber o value for money de alguns produtos é um exemplo do que acabei de referir. Uma outra vertente da proteção dos interesses dos investidores passa por uma maior proximidade com os investidores, informando-os e também ouvindo o que têm para nos dizer. E para reforçar o que acabei de dizer, gostaria de chamar a atenção para o novo site dedicado aos investidores que a CMVM lançará brevemente”, anunciou.

Para terminar, mostrou um vitral de Abel Manta que está no Instituto Nacional de Estatística (INE), com a inscrição em latim ad divitias per scientiam numerorum.“Isto significa “prosperar, conhecendo os números”. Acredito na fórmula que diz que os resultados são 10% de inspiração e 90% de transpiração. Acredito que se aplicarmos o que está indicado no vitral, a racionalidade dos números removerá muitos dos bloqueios que têm impedido Portugal de tirar partido do mercado de capitais”.

RELACIONADO
Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.