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Troca de mensagens é ilegalidade ou “só” um desvio ético?

Comunicações mantidas entre Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol podem ser explosivas para os interesses da investigação.
  • Cristina Bernardo
30 Junho 2019, 17h00

O ‘The Intercept’ é um site jornalístico fundado em 2014 e que tem entre os editores Glenn Green- wald, advogado e jornalista norte-americano radicado no Brasil e um dos obreiros, juntamente com Edward Snowden, da denúncia dos programas secretos de vigilância global dos Estados Unidos pela Agência de Segurança Nacional.

O site diz que lhe chegaram, de forma anónima, provas de que Sergio Moro pediu a Deltan Dallagnol para que “trocasse a ordem de fases da Lava-Jato” e “fosse mais célere em algumas operações”, dando ao mesmo tempo opiniões sobre a forma como a investigação deveria ser conduzida.

Esse tipo de alinhamento é proibido pela lei brasileira e Moro disse sempre que nunca tinha prevaricado nessa matéria. “Não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer é o Ministério Público e a Polícia Federal”, disse publicamente em 2016, precisamente para se defender das suspeitas de que a investigação (e a acusação, cujo trabalho resulta da primeira) estava alinhada com as decisões dos juízes do processo.

Defesa arriscada
A linha de defesa de Moro neste caso é arriscada: criticou o ‘The Intercept’ por não ter feito o contraditório, o que acabou por resultar numa história retirada de contexto, que não foi negada. Dallagnol parece estar a seguir o mesmo esquema: em vez de negar, fala de que estão a tentar acabar com o megaprocesso e que, se tal suceder, os ‘bandidos’ serão os últimos a rir. “Os procuradores da Lava-Jato não se vão dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”, disse.

Mas, para os analistas, esta linha de defesa pode deixar claro que os dois homens estavam mesmo alinhados e que Moro influenciou diretamente algumas escolhas da investigação. O principal problema é que, entre essas investigações, está aquela que tem a ver com Lula da Silva – pelo que a alegação de que a troca de impressões entre os dois era uma espécie de ‘conversa de café’ entre dois conhecedores do mesmo tema pode ser ‘explosiva’ para os interesses da investigação.

Mas, para já, ainda não é sequer certo que as eventuais conversas entre os dois configurem aquilo que a lei impede. Alguns especialistas alegam que pode não ter sido cometida qualquer ilegalidade, mas apenas aquilo a que chamam ‘desvio ético’. Seja como for, o conselho nacional da Procuradoria Geral da República, que fiscaliza as atividades de promotores e procuradores, pondera se investigará ou não Deltan Dallagnol e outros que trocaram as mensagens agora reveladas. Se aquela instância avançar, acaba por retirar a ‘presunção de inocência’ ao investigador.

Entretanto, o Ministério Público brasileiro disse em comunicado que a equipa da Lava-Jato foi vítima de “uma ação criminosa de um hacker” que “invadiu telefones e aplicações de procuradores usados para comunicação privada e de trabalho. Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão”.
Ora, este pode ser o grande problema: é bem possível que o ‘The Intercept’ ainda tenha mais dados para divulgar e que o que se sabe até hoje seja apenas uma pequena parte do que aí vem. Sendo certo que o que aí vem dificilmente será bom para a Justiça brasileira.

Artigo publicado na edição nº 1993, de 14 de junho do Jornal Económico

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