No passado dia 26, a General Motors, gigante do sector automóvel americano, anunciou que irá dispensar 15% da sua mão-de-obra assalariada e 25% dos seus executivos, assim como fechar cinco fábricas na América do Norte, quatro delas nos Estados Unidos.

Esta decisão, apesar de aplaudida pelos mercados financeiros (um dos primeiros factores mencionados aquando da defesa do trabalho do Presidente Trump, como se o comportamento da bolsa de valores fosse dependente da performance da Casa Branca e/ou servisse de benchmark para a avaliação de um governo), deixou Trump incomodado, como fez questão de mostrar na sua plataforma favorita.

Apesar da exaltação da direita americana ao trabalho da Administração actual na vertente económica, justificando todo o rol de barbaridades e ofensas proferidas pelo Presidente e os seus lacaios com o baixo desemprego e taxas de crescimento de 4%, parece que até aqui o barco vai começar a meter água.

Para começar, basta uma análise rápida às taxas de crescimento trimestrais para constatar que, não só a tendência de crescimento se verificava já desde o tempo da administração anterior (ainda que muito mais volátil, com períodos de crescimento anémico e até mesmo negativo, o PIB americano tem vindo a crescer há já dez anos), como só atinge os prometidos 4% uma vez.

Além disso, importa salientar que esta taxa de crescimento foi, em grande parte, registada devido a um forte aumento nas exportações líquidas americanas que, mais do que um renascer da indústria, simboliza o antecipar de importações por países que viriam a sofrer com as tarifas impostas por esta Administração.

Ainda assim, e apesar da miopia de se congratular pelos resultados actuais sem olhar para a tendência dos anos anteriores, a economia americana parece, à primeira vista, estar saudável. É, então, estranha a decisão da General Motors (GM) de cortar postos de trabalho, especialmente face ao gigantesco corte fiscal para as empresas que Trump colocou em prática, com a promessa de atrair biliões de dólares de empresas americanas que haviam, na última década, deslocado produção para fora do país.

Estranha, mas não irracional: a empresa, que faz do aço uma das principais matérias-primas, diz ter visto os seus custos disparar mil milhões de dólares como resultado das tarifas sobre este produto. Que surpresa, tarifas que geram ineficiências e distorções na economia… Quem poderia prever tal coisa?

E a GM não está sozinha. Já a Harley-Davidson havia seguido as mesmas pisadas, e até o fez depois deste tax cut que, numa certa cabeça laranja, ia revolucionar a vida do americano médio.

Ou seja, não só este corte fiscal não estimulou a economia como desejado (os lucros antes de impostos continuam muito semelhantes à situação pré-reforma fiscal), como a receita fiscal diminuiu consideravelmente e, surpresa mais uma vez, as empresas não reinvestem os seus lucros no país (na realidade, a quantidade de dinheiro usado em buybacks no S&P500 subiu brutalmente em 2018, superando as despesas de capital pela primeira vez em 20 anos). Tudo isto enquanto mais de metade da população afirma não ter sentido qualquer impacto benéfico no seu rendimento.

Face a tudo isto, e não obstante ter perdido a Câmara dos Representantes nas últimas intercalares, Trump e os Republicanos reforçaram a sua presença no Senado. Apesar do défice continuar a aumentar, do impacto quase nulo para a classe média destes cortes fiscais, das posições polémicas em termos de imigração, e da posição cada vez mais enfraquecida dos Estados Unidos na política e diplomacia internacional, os americanos continuaram a achar que o GOP os representa, usando a criação de emprego e o Dow Jones como argumentos.

O eleitorado que grita “socialismo!” cada vez que ouve falar em redistribuição – 99% dele trabalhadores pouco qualificados e pertencentes à classe média – continua a votar no bilionário que vai dando mais abébias aos seus amigos; os filhos de imigrantes europeus, confiantes na superioridade do seu tom de pele e raízes culturais, continua a justificar o voto xenófobo com o desempenho da economia, ignorando que esta foi salva nos dois mandatos anteriores; os trabalhadores fabris continuam a seguir, qual wishful thinking, a fábula de “nenhuma empresa vai deslocar a sua produção para fora do país!”, culpando as empresas pela asfixia a que foram submetidas.

No fundo, ainda bem que há indicadores económicos positivos no meio disto tudo que possam ser usados para justificar o apoio ao actual Presidente: é que sempre fica melhor falar de emprego do que admitir que o problema com Obama era ser bronzeado demais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.