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Tudo o que se sabe (e o que não se sabe) sobre a morte de João Rendeiro

O ex-banqueiro rejeitava por completo o regresso a Portugal. A sua advogada disse que Rendeiro estava “psicologicamente forte”, e não entende como nenhum guarda percecionou os preparativos para a sua morte. A falta de acesso às suas contas também o colocou numa situação difícil. Conheça os pormenores.
16 Maio 2022, 13h02

O que foi adiantado sobre a morte de João Rendeiro?

Detido numa prisão de alta segurança em Durban, na África do Sul, desde dezembro de 2021, o antigo presidente do Banco Privado Português (BPP) foi encontrado morto, enforcado, na noite de quinta-feira, 12 de maio, na cela.

A informação foi confirmada a vários meios de comunicação pela advogada do ex-banqueiro, June Marks, que revelou que o mesmo cometeu suicídio. As autoridades estão a investigar as circunstâncias do que aconteceu, mas salvaguardou que não tem muitas expectativas sobre essas diligências: “Duvido que descubram muito mais na investigação”. 

Estiveram envolvidos terceiros?

Os serviços prisionais sul-africanos disseram no sábado à “Lusa” que não houve envolvimento de outras pessoas na morte do antigo presidente do BPP.

“Ele estava numa cela única quando se enforcou. Foi depois de trancado, portanto ninguém podia estar envolvido ou ter acesso a ele”, explicou o porta-voz dos serviços prisionais da África do Sul, Singabakho Nxumalo. Estas declarações contrariam as inicialmente divulgadas de que Rendeiro estaria numa cela de 80 metros quadrados com 50 reclusos.

Nxumalo confirmou que o ex-presidente do banco BPP foi encontrado enforcado, mas remeteu mais detalhes sobre as circunstâncias para uma investigação “mais aprofundada”.

Segundo o responsável do Departamento de Serviços Penitenciários, “a investigação está em curso e o relatório da autópsia será dado a conhecer à família”.

Fonte da morgue de Pinetown, nos subúrbios de Durban, disse que o exame post mortem vai ser realizado na terça-feira. Segundo o protocolo das autoridades, os resultados da autópsia não são tornados públicos, adiantou a “CNN Portugal”, mas a viúva, Maria de Jesus Rendeiro, pode pedir acesso ao mesmo. Os resultados serão depois anexados ao processo policial.

Qual o envolvimento da advogada?

Primeiramente, June Marks foi quem partilhou a informação da morte de João Rendeiro “cá para fora”. Depois de notificada pelas autoridades sul-africanas, foi-lhe pedido que identificasse o corpo: “Pediram-me para identificar o corpo. Estou à espera da chamada do responsável da investigação para ir. Depois, irei tratar dos procedimentos para a trasladação”, disse à “Lusa”.

Mas June Marks adiantou ainda na sexta-feira, dia 13, que tomou “há um mês” a decisão de deixar a defesa de João Rendeiro devido a razões financeiras. “Ele não tinha fundos e o Estado deveria nomear um advogado oficioso para assistência jurídica”, referiu, confirmando ter informado as autoridades desta situação: “Ele insistiu para eu continuar, mas não tinha fundos para pagar”.

Questionada se João Rendeiro tinha justificado a sua falta de meios financeiros com o arresto dos bens devido aos processos judiciais que enfrentava em Portugal, a mandatária do antigo banqueiro confirmou que esse foi o argumento usado pelo antigo presidente do BPP.

Havia sinais que podiam indiciar o suícidio?

June Marks disse à “Lusa” que a morte de Rendeiro, de 69 anos, “foi um grande choque” e que “ninguém estava à espera”, especialmente se se tiver em conta que, recentemente, disse que Rendeiro estava forte psicologicamente e preparado para se defender perante um juiz.

Contudo, ao “Correio da Manhã” a advogada relatou que o ex-banqueiro estava com um “comportamento errático nos últimos dias”, apesar de, no último encontro entre os dois se ter mostrado “animado” e confiante que não seria extraditado para Portugal, uma decisão que seria tomada pelo tribunal em junho.

O porta-voz dos serviços prisionais da África do Sul revelou, numa entrevista a uma estação de televisão sul-africana, que João Rendeiro “foi classificado como alguém de alto risco” e estava “a ser monitorizado”, o que significa “que os guardas faziam questão de verificar o seu bem-estar”. As declarações surgiram no contexto de uma pergunta sobre o tipo de pessoa que era João Rendeiro e qual o seu estado emocional.

A “Sábado” diz que fontes de próximas de Rendeiro não compreendem o que terá precipitado a decisão do ex-banqueiro, que só admitia o suicídio como última possibilidade, caso perdesse o processo de extradição uma vez que não admitiria nunca vir para Portugal.

O que provocou a detenção de João Rendeiro?

O ex-banqueiro tinha sido condenado em três processos distintos relacionados com o colapso do BPP, tendo o tribunal dado como provado que retirou do banco 13,61 milhões de euros. Das três condenações, apenas uma já tinha transitado em julgado e não admite mais recursos, com João Rendeiro a ter de cumprir uma pena de prisão efetiva de cinco anos e oito meses.

João Rendeiro foi ainda condenado a 10 anos de prisão num segundo processo e a mais três anos e seis meses num terceiro processo, sendo que estas duas sentenças ainda não transitaram em julgado.

Em setembro de 2021, Rendeiro tinha sido condenado a três anos e seis meses de prisão efetiva, num processo por burla qualificada, e esteve fugido à justiça até ser apanhado em dezembro na África do Sul, onde agora aguardava uma decisão sobre o processo de extradição para Portugal. A sessão preparatória do julgamento desse processo iria ter lugar dentro de uma semana e o julgamento iria decorrer entre 13 e 30 de junho.

O BPP originou vários processos judiciais, envolvendo burla qualificada, falsificação de documentos e falsidade informática, bem como processos relacionados com multas aplicadas pelas autoridades de supervisão bancária. O colapso do Banco, em 2010, lesou milhares de clientes e causou perdas de centenas de milhões de euros ao Estado.

O que fica por saber?

João Rendeiro nunca aceitou a extradição, rejeitando por completo o regresso a Portugal, país onde dizia estar a ser “vítima de perseguição do Estado”, como adiantou à “CNN Portugal”. O próprio banqueiro admitiu a pessoas mais próximas a possibilidade de suicídio, conforme escreveu a “Sábado”.

Nunca ficará clara a motivação para essa decisão, uma vez que a alternativa era ficar encarcerado num sistema prisional que é exemplo de violação dos mais elementares direitos humanos, segundo organizações não governamentais e académicos.

Para além disso, estando numa prisão de alta segurança e a ser monitorizado, fica difícil de perceber como é que nenhum guarda estava ciente do ato ou dos seus preparativos, e ainda mais complicado será entender a razão pela qual foi transferido de uma cela com 50 outros reclusos para uma cela única.

Mesmo sem abordar a questão da sua saúde mental, porque o timing do alegado suicídio apanhou as pessoas que lhe eram mais próximas desprevenidas, fica por saber como é que o antigo banqueiro não tinha dinheiro para pagar à advogada. Segundo o “CM”, Rendeiro tinha cerca de um milhão de rands (60 mil euros) numa conta na África do Sul, à qual deixou de ter acesso quando foi detido, mas também é verdade que, entre ele e a sua ex-mulher, tinham vários milhões em paraísos fiscais, como realça a “CNN Portugal”, que admite que poderá ter perdido o acesso a eles também.

Precisa de ajuda? Contacte o Serviço de Saúde Mental do Hospital da sua região – Adultos, Infância e Adolescência. A linha SNS24 (808 242424 e www.sns24.gov.pt) e o 112 também estão disponíveis.

Entre em contacto através das Linhas de Crise e da Linha de Aconselhamento Psicológico. Para mais informações, consulte o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio.

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