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Turismo desportivo: Golfe e surf valem 900 milhões de euros. E depois da pandemia?

Com um impacto económico anual que, no seu conjunto, se aproxima dos mil milhões de euros, o golfe e o surf são as modalidades que mais turistas desportivos trazem a Portugal. Na indústria do golfe conta-se com perdas de 60% na faturação e no surf esperam-se melhores dias para voltar atrair praticantes de todo o mundo às ocidentais praias lusitanas. Turismo de Portugal tem disponível uma linha de crédito de 60 milhões de euros.
12 Abril 2020, 12h00

Golfe e surf têm um impacto económico anual estimado em 900 milhões de euros em Portugal, mas esse valor deverá sofrer uma quebra significativa em 2020, fruto da pandemia que deverá determinar uma recessão nos próximos meses. Já esta década, as duas modalidades foram definidas como prioritárias no sentido de atrair turistas estrangeiros a território português, em duas vertentes: tornar Portugal um destino turístico durante praticamente todo o ano e dar a conhecer o país noutros mercados através das condições naturais únicas para a prática destas duas modalidades. O turismo de golfe no Algarve gerou, em 2017, uma riqueza global de 500 milhões de euros e originou quase 17 mil empregos, de acordo com números da Associação de Turismo do Algarve.

Com o boom do surf, a modalidade tem sido vista como uma grande oportunidade para empresários e empreendedores e têm surgido mais escolas, mais marcas, mais agentes turísticos com roteiros especiais de surf e mais surfistas. Já em 2017, existiam mais de 600 empresas a trabalhar no setor do surf, de acordo com o Registo Nacional de Agentes de Animação, e em 2018 o país contava já com 301 escolas de surf reconhecidas pela Federação Portuguesa de Surf. O último estudo conhecido data de 2016 e já há quatro anos era atribuído à modalidade um impacto económico de 400 milhões de euros.

“2020 é para esquecer”
Francisco Rodrigues, presidente da Associação Nacional de Surfistas, considera em entrevista ao Jornal Económico (JE) que os eventos ligados à modalidade “dependem de muitas marcas, pelo que as consequências noutras indústrias far-se-ão sentir e impactarão também no surf”.

Este dirigente aponta o ano de 2020 com um período para esquecer devido às restrições no que toca às viagens que serão impostas mesmo após a retoma normal da atividade. Numa nota de otimismo, Francisco Rodrigues acredita que Portugal vai voltar a ter uma posição “animadora”, já que as “propriedades naturais continuam intactas” e o país não é o “foco central do problema”. “O destino sofrerá pelo natural abaixamento de contexto, mas manter-se-á sólido na sua capacidade de diferenciação”, considera o líder associativo.

Rui Costa, mentor e organizador do Capítulo Perfeito, uma prova que reúne alguns dos melhores surfistas do mundo, explicou ao JE que esta modalidade, enquanto desporto praticado ao ar livre, pode vir a ser retomada mais cedo do que outras práticas limitadas a um espaço fechado. No contexto mundial, Rui Costa encara os eventos desportivos como o Capítulo Perfeito como fazendo de um eixo de comunicação fundamental na promoção do país fora de portas, os designados special events que só acontecem quando estão reunidas todas as condições, como acontece, por exemplo, com as ondas gigantes da Nazaré. “A pandemia não vai alterar a imagem fortíssima que Portugal tem lá fora no que concerne à prática de surf”, é a convicção de Rui Costa. O surf é uma modalidade que atrai turistas fora da época alta, daí a importância que a modalidade poderá ter já a partir de setembro na retoma da atividade, realça, acrescentando: “O surf pode ser a montra de Portugal lá fora para passar a mensagem de que estamos cá.”

Quebra de 60% na faturação
Os campos de golfe em Portugal estão fechados e Carlos Cortês, diretor do Conselho Nacional da Indústria do Golfe, sublinha ao JE que isto ocorreu no início da época mais importante, que vai de março a maio. “É nessa altura que temos muitos torneios e quando o tempo é mais propício para a prática da modalidade”, diz o dirigente, ciente de que tudo aponta para que a situação se mantenha pelo menos até 15 de junho, e com algumas limitações quanto ao número de praticantes que podem jogar em simultâneo.

Carlos Cortês considera que as más notícias para o setor do golfe já tinham começado com o aumento da taxa do IVA da modalidade, que passou de 6% para 23%, sendo que esse aumento não é possível de ser repercutido nos clientes. Apesar das empresas ligadas ao golfe já se encontrarem com dificuldades, explica este dirigente, o ano de 2020 estava a ser de crescimento para a modalidade. “Fomos apanhados neste tufão e atualmente temos que manter os campos em manutenção (com parte das equipas a operar), a maior parte dos campos fizeram lay-off das suas estruturas”, lamenta Carlos Cortês. Quanto ao mercado externo, este encontra-se “muito comprometido”, explica o dirigente. “Temos muitas reservas que passaram para o segundo semestre e em 2021 não sabemos como vai ser a evolução do turismo e do transporte aéreo. Para este ano, podemos estar perante um impacto de 60% ou mais na nossa faturação”, esclarece o dirigente.

Numa perspetiva mais otimista e tendo em conta que os desportos indoor estarão mais limitados, o diretor do Conselho Nacional da Indústria do Golfe considera que esta quebra pode trazer novos e antigos praticantes. “A prática do golfe não envolve contacto físico e essa pode ser uma oportunidade para que a retoma possa ser mais rápida. Diria que é uma forma de minorar os danos mas não vai resolver o nosso problema”, realça. Confrontado com as principais preocupações dos agentes da indústria do golfe em Portugal, Carlos Garcês partilha com o JE que muitos questionam como vão sobreviver a esta situação, já que o golfe “é um negócio de custos fixos muito pesados” e que “terá de ser reequacionada a forma como está estruturada esta atividade”. A médio e longo prazo, a indústria do golfe está muito dependente da forma como vai evoluir o turismo, como vão as companhias aéreas resistir, como vão ser os comportamentos dos consumidores depois da pandemia. “Temos muitos pontos de interrogação. Portugal é uma referência mundial na prática do golfe, mas vai ser fundamental o apoio para sair desta situação. Estamos bastante céticos e creio que o Governo e as entidades públicas vão ter que repensar a forma como veem esta atividade”, realça Carlos Garcês, que sublinha ainda o facto de o golfe ser uma atividade em contraciclo com outras atividades.

“Zero, não há faturação”
À semelhança do turismo em geral, o turismo desportivo implica viagens, deslocações e, como realça ao JE António da Cunha, gestor da Move Sports (empresa de organização de eventos desportivos), a paragem foi de 100%: “Não há qualquer atividade mesmo antes do pré-anúncio da quarentena porque as pessoas ganharam consciência que esta epidemia iria alastrar-se.” Com a quarentena, a atividade que é a principal ocupação da Move Sports “passou a zero”. “Tivemos muitos cancelamentos, muitos adiamentos… aliás, procurámos sempre que houvesse um adiamento”, explica António da Cunha. Perspetivando como vão ser os próximos meses, o responsável máximo da Move Sports considera que os três primeiros trimestres de 2020 “estão completamente comprometidos”. Assumindo-se como otimista por natureza, realça ao JE que prevê um retomar da atividade a médio prazo. “Qualquer boa notícia será importante para que o mercado comece a funcionar. Vai ser preciso uma boa dose de confiança para que se recomece a viajar”, defende António da Cunha. Sobre as linhas de financiamento anunciadas para o setor do turismo, este gestor critica o facto de estarem sob os moldes de um crédito: “Para nós, não funcionam. O crédito tem que ser pago com juros porque os bancos não emprestam de outra forma e, portanto, acredito que esse crédito pode aliviar um pouco a tesouraria das empresas mas não é uma solução. Deixámos de ter qualquer receita e teremos de pagar esse crédito com futuros resultados que são incertos. Não há faturação. Para estas atividades que param em absoluto, deveriam existir apoios mais a fundo perdido. Nesta área é preciso um apoio mais cuidado”, defendeu.

Linha de 60 milhões disponível
Com que apoios podem contar as empresas ligadas ao turismo desportivo? O Turismo de Portugal, contactado pelo JE, destaca que algumas empresas que vivem deste tipo de turismo são empresas de animação turística e para essas há uma linha específica de apoio de 60 milhões de euros, verba destinada a microempresas. O Turismo de Portugal esclarece que a linha de crédito que disponibilizou para microempresas já recebeu 2.500 candidaturas, num valor total de 22 milhões de euros na primeira semana. Nesse período, foram concedidos perto de quatro milhões de euros para “apoiar o setor e minimizar os impactos da redução de atividade turística durante a situação extraordinária que o país atravessa”. A linha de crédito tem um período de carência de 12 meses e o montante pode ser reembolsado no prazo de três anos.

Existe ainda, no âmbito das medidas destinadas a ajudar empresas afetadas pela pandemia de Covid-19, uma linha de financiamento no montante de 200 milhões de euros, destinada a agências de viagens, empresas de animação turística e organização de eventos.

Artigo publicado no Jornal Económico de 09-04-2020. Para ler a edição completa, aceda aqui ao JE Leitor

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