Um acordo desta dimensão merecia um chumbo rotundo. É um atentado à inteligência das pessoas.

Permito-me não acreditar que a grande maioria dos deputados do Parlamento britânico tenha alguma vez lido o acordo na íntegra. 585 páginas para quê? Certamente encomendaram a alguns assessores, o que é normal, uns resumos simpáticos a letras bem gordas!

Um acordo com ADN muito europeu e pouco de anglo-saxónico. Basta ver como funciona o Parlamento britânico, para entendermos esta referência. Começa por aqui o desequilíbrio.

Bem sei que não foi pela dimensão absurda do acordo de saída do Reino Unido da UE, negociado durante mais de 18 meses, nem pelo desacerto entre ADN de uns e outros que May foi tão humilhada na votação dos deputados do dia 15 de Janeiro. Aliás, sofreu a maior derrota de sempre da história do Parlamento britânico.

De útil nesta derrota fica o registo deste acontecimento na história do Reino Unido (mais uma singularidade britânica!). De inútil os estudantes de futuro terem de decorar mais uma data – a da estrondosa derrota da primeira-ministra Theresa May (uma norma universal do ensino oficial da disciplina de História). Só por isto Theresa May já consta da história política do Reino Unido.

Mas quer May, quer os líderes europeus insistem em chamar a este brutal Tratado, que foi deitado às ortigas, “o único acordo possível”. Porém, no dia seguinte (quarta-feira, dia 16) surge um “milagre” no Parlamento. Theresa May, como era de esperar, resiste à Comissão de Censura de Corbyn, embora por pequena margem. O partido conservador britânico dá-se ao luxo de humilhar a sua chefe, mas não permite criar condições para que os trabalhistas sejam poder.

Assim, o Sr. Corbyn, com esta sua iniciativa, trouxe algum alento a May, que vai continuar a liderar o processo de saída, quando perante a estrondosa derrota deveria pura e simplesmente ter-se demitido. Seria o normal, em qualquer outro país, excepto no Reino Unido. Estamos perante um processo no mínimo estranho.

Segundo a comunicação social May e Corbyn têm relações pessoais muito difíceis. Nesta conjuntura, não se sabe como Theresa May vai concretizar, no caso dos trabalhistas, a ronda negocial com os partidos para recolha de novos conteúdos para o “novo acordo” que disse, em pleno Parlamento, ir fazer logo após a moção de censura ter sido rejeitada. Corbyn impôs à partida para conversarem condições impossíveis: a de que May se comprometa a que o Reino Unido só sairá da União com um acordo.

Factos interessantes. May, antes do referendo, era adepta da continuação do Reino Unido na UE e está a dirigir o processo de saída. Corbyn, ao contrário, era defensor da saída, fez uma campanha mole pela permanência, pois já tinha e tem um número significativo de deputados e ainda parte das suas bases, nomeadamente a juventude, que defendem a permanência e, por conseguinte, se batem também por um novo referendo na esperança do Reino Unido poder continuar na UE.

Por e para onde irá o Reino Unido?

Navegar no desconhecido é por agora o caminho. Reino Unido e UE continuam a apostar numa saída com a assinatura de um acordo, seja ele qual for. Apenas uma pequena franja britânica, “os duros”, está disponível para o no-deal – saída sem qualquer contrato. Mas conseguirão?

Mas que Plano B tem May para trazer nesta segunda-feira, dia 21 de Janeiro, ao Parlamento britânico? Pensamos que nenhum, com excepção da extensão do artigo 50 do Tratado da União Europeia.

Aliás, adiar decisões complexas é uma característica da UE e, neste aspecto, o Reino Unido tem aprendido a cartilha para quando lhe convém a usar. E estamos perante mais uma situação difícil. Mas o problema é montar o jogo, porque as peças que fizeram cair o acordo não encaixam umas nas outras, são muito desconexas.

Votaram contra o acordo a corrente Corbyn dos trabalhistas que quer outro acordo e não este, um acordo tipo união aduaneira, e a corrente trabalhista que quer ficar na UE. Votaram contra o acordo os defensores de um contrato mais “duro”, pois entendem que o que foi chumbado era permissivo demais, não separava as águas. Votou contra o acordo a franja que não quer acordo nenhum. E votaram ainda contra o acordo todos aqueles, independentemente dos partidos a que pertencem, que defendem continuar dentro da União. Uma coligação de interesses negativos que funciona sempre para destruir.

A posição de Corbyn de defesa de um acordo tipo união aduaneira não colhe no Parlamento pois compromete em demasia o Reino Unido com a UE. Como se referiu, Corbyn fez campanha no referendo pela permanência, mas foi uma campanha tão “deslavada”, tão indefinida, que não entusiasmou ninguém. Fez uma campanha de fuga aos problemas como continua a fazer.

Foi agora um pouco mais claro mas, de algum modo, evita pronunciar-se abertamente sobre o segundo referendo. Apenas admite aqui e ali…

É evidente, aliás vários líderes europeus já o admitiram, que vai haver extensão do artigo 50 para que novas discussões sobre um eventual novo acordo possam ter lugar. A UE vai pressionar um novo acordo e indirectamente um novo referendo, mas não dispõe de muita margem para sair dos termos definidos.

O problema das fronteiras entre Irlandas complica, mas é difícil pensar numa saída sem um arremedo de fronteiras. Aí, a aproximação para uma união aduaneira poderia proporcionar alguns passos.

Mas depois deste processo tão complexo e politicamente conflituoso ao nível interno do Reino Unido, um segundo referendo pode ganhar algum peso, designadamente porque tem na rectaguarda os agentes económicos que, na sua maioria, pretendem estancar o Brexit, pois já fizeram as contas aos prejuízos.

O Brexit não é só política tem muito de economia e foi esta vertente que, inicialmente, foi mal ensaiada.

Mas a extensão do artigo 50 do Tratado tem limites de tempo, inclusive para consagrar o segundo referendo, devido ao timing das eleições europeias. Se a extensão for alongada, por exemplo até finais de 2019, coloca-se o problema: não terá o Reino Unido de ir a eleições europeias?!

A concluir, em todo o processo do Brexit, a União Europeia não está isenta de culpas. A sua inoperância e falta de estratégia tiveram aqui um papel determinante pelo não convencimento da sociedade britânica das vantagens de pertença, apesar das vicissitudes específicas do Reino Unido que, na realidade, nunca esteve de pedra e cal com a UE.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.