Os únicos dados gerados em Portugal sobre o setor das organizações sem fins lucrativos em geral são os da Conta Satélite da Economia Social produzida pelo Instituto Nacional de Estatística. Com uma cadência que tem sido trianual, são os dados a que todos os que querem referir-se ao sector, usam com a confiança de serem “os” dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre essa realidade.

O que muitos não saberão é que esses dados só são possíveis por causa da vontade e recursos de um conjunto de fundações portuguesas, que há mais de 20 anos se juntaram, e de forma inédita, acederam à proposta de um americano para a produção de informação inexistente.

A proposta foi de um homem cuja visão, trabalho e capacidade de coordenar múltiplas equipas internacionais, permitiram a conceção de um referencial que viria a ser adotado pelas Nações Unidas, e que hoje é a bíblia para a geração de dados sobre este setor por múltiplos institutos de estatística mundialmente. Esse homem foi Lester Salamon, que faleceu no passado dia 20 de agosto. Mas o seu legado ficou inscrito de forma indelével na informação gerada sobre o terceiro sector em todo o mundo. Incluindo Portugal.

Há cerca de 20 anos atrás, um conjunto de fundações portuguesas juntou-se para tornar possível em Portugal a disponibilização, pela primeira vez, de dados sobre o sector não lucrativo no país. Até esse momento, ninguém sabia dizer quantas eram as organizações sem fins lucrativos em Portugal, quantas pessoas empregavam ou qual o valor acrescentado que produziam.

Em 2005 foi divulgado o estudo “O sector não lucrativo português numa perspectiva comparada”, de co-autoria da Johns Hopkins University e da Católica Porto Business School com a colaboração do INE, que tive a honra de coordenar. Ficou a saber-se desde aí que o sector não lucrativo teve despesas, em 2002, que representavam 4,2% do Produto Interno Bruto, envolvia as energias de quase um quarto de milhão de trabalhadores, dos quais 70% em posições remuneradas, empregando mais pessoas que as indústrias das utilities e dos transportes.

As fundações, pioneiras no reconhecimento da importância da produção de dados sobre as organizações sem fins lucrativos, foram a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação Luso-Americana, a Fundação Ilídio Pinho e a Fundação Aga Khan. Foram precisos alguns anos para que a sua decisão de financiar o estudo português fosse tomada, mas este foi um exemplo notável de como as fundações podem juntar-se na promoção de trabalho inovador que outras entidades, nem públicas nem privadas, conseguiram até esse momento nem reconhecer nem concretizar.

Trata-se de um exemplo de cooperação no meio fundacional que, não sendo único, se deve relembrar, em particular pelo foco – o da geração de informação que dá visibilidade e transparência ao sector. A cooperação foi, em boa verdade, interinstitucional, porque o estudo não teria sido possível sem a colaboração do INE e da academia.

Na sequência do estudo divulgado em 2005, foi celebrado um acordo entre o INE e a CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social), que permitiu que o INE, radicado no conhecimento adquirido no estudo anterior, assumisse esta nova Conta Satélite.

A Conta Satélite da Economia Social foi publicada em 2013, 2016 e 2019. Foi já anunciada a 4ª edição para 2023, quebrando a cadência tri-anual, mas prometendo dois anos, 2019 e 2020, o que permitirá compreender melhor o impacto da pandemia neste sector. Em 2019, a Conta Satélite divulgava que o sector integrava em 2016 mais de 71 mil entidades e 234 mil pessoas empregadas, que geraram quase cinco mil milhões de euros, pesando 3% na economia nacional em termos de Valor Acrescentado Bruto, 5,3% em termos de remunerações e 6,1% em termos de emprego remunerado.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.