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Um ano depois das eleições, a política mudou quase radicalmente

António Costa perdeu as eleições de há um ano. Um mês e meio depois chegava a primeiro-ministro. António Costa Pinto e Viriato Soromenho Marques ajudam a descodificar uma sucessão de acontecimentos que, há um ano, parecia uma hipótese meramente académica.
4 Outubro 2016, 06h02

Um ano depois das eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, a discussão – e o desentendimento entre direita e esquerda – mantém-se: será legítimo aos que ficaram em segundo lugar formarem governo? Se, do ponto de vista constitucional, não há nada a dizer sobre a matéria, os ânimos ficaram, na sequência dos resultados e do que se passou nos 54 dias seguintes, inesperadamente exaltados.

O PS de António Costa perdeu as eleições, mas conseguiu rodear-se de uma maioria parlamentar que sustenta um governo estável, algo que os dois partidos de direita não souberam concluir. “Em 40 anos de democracia, ter-se quebrado de uma coligação à esquerda”  é um dos pontos mais importantes do que sucedeu há um ano, disse ao Jornal Económico o politólogo António Costa Pinto –  que se aproximou do PS quando António José Seguro ganhou o congresso de Braga.

Esta capacidade – que, na Europa, só  se havia manifestado em Espanha em 1935 e em França no ano seguinte – encerra, para Costa Pinto, uma dúvida: “Até que ponto [o exemplo português] quebrará o ciclo de declínio dos partidos socialistas europeus?” Sem uma resposta clara, o politólogo admite ter ficado surpreendido com “o pragmatismo e a moderação pouco expectável à esquerda” – quando o tradicional era os partidos da esquerda preferirem sempre demandar aos que os afasta e não ao que os une.

Esses 54 dias loucos – que acabaram com a formação do atual Governo lá por meio de novembro, depois de um penoso epílogo do governo anterior e de dúvidas que pareciam não ter fim da parte do Presidente da República de então, Cavaco Silva –  tiveram desde logo um mérito: “mudaram a atitude, a atmosfera política e até a cultural: houve um desanuviamento, que já se sentia desde a saída da Troika”, mas que, com o novo Governo, ganhou uma solidez mais perene, disse ao Jornal Económico o politólogo Viriato Soromenho Marques.

É uma mudança fundamental, até porque, salienta, “a atmosfera e a atitude mudaram bem mais que a realidade”  – a envolvente económica, o peso de Bruxelas, a falta de liquidez da banca, o crescimento frouxo, o Brexit e os problemas de muitos partidos socialistas noutros países, mantém-se. Ou seja: tudo o que pode fazer com que a experiência de esquerda corra mal está em cima da mesa. Os dois analistas convergem, aliás, neste ponto: é muito mais a envolvente externa e o peso dos acordos assinados com a União Europeia e muito menos um eventual desentendimento entre PS, PCP e Bloco que pode colocar em causa a estabilidade do Governo actual.

Mas esta estabilidade tem, para António Costa Pinto, uma consequência grave: “a ausência de reformas de fundo, que o PS não pode avançar sem colocar em causa a coligação com o resto da esquerda; é o preço a pagar”, afirmou. Soromenho Marques prefere regressar a Bruxelas: “a Europa tem uma visão facciosa do que está a acontecer no nosso país, com os dirigentes do PPE [a família europeia de que o PSD faz parte] a terem uma posição negativa”. Vá lá, disse, salva-se “a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, que também ajudou a distender a sociedade portuguesa”.

Seja como for, e ambos os analistas voltam a convergir neste ponto, é impossível avançar com segurança que a experiência de esquerda chegue ao final da legislatura. Mesmo que, para já, PS, PCP e Bloco possam acenar com dois Orçamentos do Estado razoavelmente pacíficos. Seja como for, e se a experiência resultar, “isso significará  uma maior polarização da democracia portuguesa entre esquerda e direita”, refere António Costa Pinto. Mais: “se isso suceder, significará  também a sobrevivência do sistema partidário” tal como o conhecemos há quatro décadas, sem a intromissão de partidos extremistas, nem a abertura a alternativas pouco comuns (como o Movimento 5 Estrelas em Itália).

Seja como for, e numa altura em que o PSD dá  mostras de ser um único a aceitar mal a realidade da maioria parlamentar de esquerda, como salientou Soromenho Marques (“é o único partido que não tem dialogado com os restantes”), o certo é que, como também disse, “o que mudou é subjetivo, o que fica na mesma é objetivo”.

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