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Um email, uma reunião secreta, a mordaça à CEO e a demissão

De saída da TAP, a CEO Christine Ourmières-Widener foi ouvida quase sete horas na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP e deixou bem claro: “Sou um bode expiatório demitido ilegalmente”.
  • António Cotrim/Lusa
6 Abril 2023, 17h19

Passava já da meia-noite desta quarta-feira quando Christine Ourmières-Widener pousou os auscultadores que lhe traduziam as questões dos deputados e saiu da comissão parlamentar de inquérito à tutela da gestão da TAP. Ao todo, foram quase sete horas de audição, interrompidas apenas por 20 minutos de pausa, quando a CEO demissionária da companhia aérea se mostrou emocionada quanto aos pormenores da sua demissão, no início de março.

A presidente executiva, ainda em funções, entrou a pés juntos na sua audição escudada de dois advogados e munida com uma apresentação de factos ligados às recentes polémicas da transportadora portuguesa. A gestora diz-se “desiludida e triste” pela forma como diz ter sido instrumentalizada pelo Governo na gestão da crise, que implodiu com a polémica indemnização de meio milhão de euros paga à antiga administradora Alexandra Reis, que menos de 24 horas depois se sentou no mesmo lugar na Assembleia. Foram os contornos desse pagamento que acabaram por levar à decapitação de dois terços da administração da TAP, determinada pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF).

Escapou ao radar da IGF o CFO  Gonçalo Pires, que foi ouvido na semana passada e cuja versão dos factos sobre o afastamento da administradora foram fortemente contrariados por Ourmières-Widener. A CEO da TAP disparou ainda na direção de pelo menos dois membros do atual Executivo – Fernando Medina e João Galamba – e uns tantos ex-governantes, como João Leão e Pedro Nuno Santos. Todos eles têm passagem agendada pela mesma comissão parlamentar.

Mas se o pagamento a Alexandra Reis foi o primeiro tiro desta comissão parlamentar de inquérito, a derradeira batalha prendeu-se com a verdadeira extensão da influência do Governo na gestão diária da companhia. Influência essa evidenciada desde logo por Widener, num email trocado com o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Santos Mendes, que aconselhou a CEO a manter o Presidente da República como “o mais importante aliado” quando esta questionou se seria boa ideia mudar um voo da TAP para acomodar a agenda de Marcelo. O pedido nunca foi feito pela Presidência, frisou.

https://jornaleconomico.pt/noticias/mudanca-do-voo-de-marcelo-pedida-pelo-governo-teria-custado-mais-de-200-mil-euros-1015430

A comunicação entre a gestora e o então membro do Governo não deixam grande margem para dúvidas quanto à independência da gestão da TAP: haja ou não dúvida, quem decide é a tutela.

Ourmiéres-Widener vai mais longe e esclarece os deputados que foi o mesmo secretário de Estado quem deu ‘luz verde’ ao avultado pagamento a Alexandra Reis, que prosseguiu para a NAV antes de ir para o Governo, onde não ficou mais de um mês. E mais, a CEO fez saber aquilo que já se suspeitava, mas que Gonçalo Pires não conseguiu (ou não quis) esclarecer durante a sua audição: o CFO não só estava a par do processo de negociação de saída da administradora como foi informado. E não em conversa de corredor, de que o mesmo estava a decorrer, sublinha Widener, que veio também desmentir o ministro das Infraestruturas, João Galamba, ao dizer que lhe foi pedido que não apresentasse os resultados da empresa publicamente.

Se, há uma semana, o CFO deu a entender que a indicação partiu da tutela, chega agora a confirmação.

O contra-ataque da gestora não poupou alvos e a decisão não é de estranhar. Já se sabia que Christine Ourmières-Widener ia recorrer à justiça para contestar o despedimento por justa causa que considera “ilegal”. Esse momento, em que é demitida sem aviso prévio por, não um, mas dois ministros, numa conferência de imprensa ao vivo e a cores em todos os canais, é classificado pela própria como “o pior dia da minha vida”.

“Não me sinto respeitada pelo que fiz por esta empresa, mas prefiro ter alguma perspetiva e distância e tenho de me proteger um pouco neste processo”, acrescentou ainda, referindo que a culpa que lhe foi atribuída e os moldes da demissão mancham a sua “reputação global na indústria” e junto até da própria família e amigos. Apanhada de surpresa, mas não tanto assim, já que na véspera da apresentação do relatório da IGF, numa reunião secreta com Fernando Medina, foi convidada a demitir-se.

“Pediram-me que me demitisse”, confirmou, “mas não me demiti porque não fiz nada de errado (…) [O ministro das Finanças] disse-me que poderia ser boa ideia para a minha reputação demitir-me”, esclareceu ainda. Medina terá dito, segundo a gestora, que seria “difícil do ponto de vista do Governo que se prosseguisse com o mandato”. A conversa “foi muito difícil”, aponta a CEO da TAP.

“O tom da reunião foi muito triste, dizendo-me que os meus resultados eram fenomenais e que eu tinha feito um trabalho fantástico, que era a pessoa certa para o cargo e que este processo [de indemnização a Alexandra Reis] tinha sido conduzido por mim com boa fé, mas perante toda a pressão de diferentes partes, não restava ao Governo outra opção”, rematou.

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